Revista Redescrições | Page 122

122 Por que o mundo é tudo aquilo que é a queda (der Fall 27)? Nós sabemos muito pouco sobre o movimento que nós mesmos somos. Será que alguma tradição nos esclareceu que a queda (der Fall) é aquilo que sofremos por causa do mundo? 28 A queda é o movimento transicional do mundo, a vida humana desperta sujeita-se simplesmente a este movimento. Quem cai padece da paixão absoluta, contra ela não existe superioridade, exceto aquela de se deixar cair. O mundo é o receptáculo de todas as quedas. Ele puxa para a gravidade, como um atraidor (Attraktor) escuro, os novos seres que vêm ao mundo, dentro do qual eles fazem experiências em meio às resistências. Quem cai, bate, a fim de experienciar a dor e a sublevação (Auflehnung). Por essa razão, cada queda tem de corresponder a um compromisso entre o ódio e a paciência. O ódio ajuda o eu nela caído a não se por entre as coisas mortas. A paciência, por outro lado, protege o mundo em nós da vingança do nada, com a qual nós queremos desfazer a ferida da existência (Daseinskränkung). Quem aprende a controlar a raiva com sua capacidade de sofrer, pode tornar-se um trabalhador paciente. O trabalho produz a divisão de poderes no desespero. Ao mesmo tempo, é a paciência, que contraria a raiva, uma continuação da soberania pré-existencial com outros meios. Ela traz algo da extensão (Weite) antiga e flutuante na vida lançada. Alinhar ao longo de décadas dias densos, a fim de manter uma energia sobre suas vias: existe uma melhor definição para a vida dos artistas? A arte como a obra dos que trabalham de outra maneira (der Andersarbeitenden) é sempre também o trabalho com a queda (am Fall). Porque não é possível saber cair (Fallen), a crueza do mundo e a falta de condição de nosso penetrar (Einbrechen) no mundo mostram-se vivas a esses dois artistas que manifestam sua queda. Tudo que é cru, brilhante e absolutamente presente nas obras de arte, eleva a materialidade do mundo como tema, na forma que ela aparece na queda livre (im freien Fall). Todas as particularidades são iguais diante da precipitação. Seu entrar (Eintreten) no campo de visão (Sichtfeld) produz sempre a mesma impertinência (Zumutung), isto é, há um real aí, o qual levanta o punho cerrado contra o olho, e também para que ele sinta que o presente, seja como este for, afirme o seu poder. Apenas sob está visão, 27 A palavra “Fall” pode significar “caso”, mas aqui Sloterdijk joga com seu outro sentido, o de “queda”, como um movimento gravitacional espacial inevitável, mas nem sempre perceptível por quem já está no mundo. 28 No sentido de aquilo que o mundo nos deixa sofrer (erleiden). (N.T.) Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 115 a 124]