Revista Redescrições | Page 10

10 agir prudente não é mais suficiente para um ajuste sem controvérsias entre as pessoas. A diferença, por um lado, entre “moralidade” e “prudência” e, por outro lado, entre “costumes” e “direito” é meramente de “grau de necessidade de uma deliberação consciente e formulação explícita de preceitos” (ibidem, p. 73). A diferença explicariase deste modo: No âmbito dos “costumes” e dos “hábitos” agimos mais “naturalmente”, sob dadas rotinas que podem conformar regras, p. ex., não devemos confiar em estranhos mais do que confiamos em membros de nossa família. No âmbito do “direito” e da “moral” agimos quando o standard de nossas rotinas não podem solucionar certos problemas, p. ex., conflitos não solucionáveis entre indivíduos, ou indivíduos e família (grupo), ou conflitos entre famílias e comunidades etc. Além desse aspecto, Rorty julgaria que o vocábulo tem uma importância nas práticas sociais de uma sociedade democrática6. Mesmo considerando todo o seu ceticismo e seu antifundacionismo (cf. RORTY, 2013, pp. 92-93), compreendo que ele defenderia o emprego do vocábulo “direito” em diversos contextos e circunstâncias de nosso agir social. Do mesmo modo, Rorty entenderia também que o emprego de expressões como, p. ex., “sistema de direito” ou “direito constitucional à igualdade” seriam importantes para as próprias narrativas dentro da práxis democrática da conversação, na medida que teriam a função discursiva de promover a democracia, e noções de lealdade e igualdade daí derivadas, permitindo em sua justificação discursiva ou narrativa que cada cidadão exponha seus pensamentos, defenda seus interesses e busque entendimentos com seus semelhantes (i. e., liberdade de expressão). Por isso, relacionando-se com o vocábulo “direito”, existiria uma espécie de literatura que se preocuparia com a descrição de narrativas relevantes para o futuro da sociedade em que vivemos e que se ocuparia da articulação, na prática social, de termos como “justiça”, “prudência”, “solidariedade”, “confiança”, “cooperação”, “equidade”, entre outros. Além disso, penso eu, Rorty atribuiria provisoriamente à expressão “filosofia do direito” o sentido de uma literatura narrativa inserida no âmbito maior dessa literatura universal que se ocuparia com o vocábulo “direito” e que buscaria, ao lado de outras narrativas, tão ou mais importantes, interpretar (ou justificar) esse saber, criando 6 Entendida como o ambiente no qual seriam promovidas conversações e discussões abertas onde o emprego de expressões como “eleições democráticas”, “igualdade perante a lei” e as famosas “liberdade de expressão”, “de imprensa” e “de religião”, entre outros direitos, fosse algo natural. Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]