Revista PrisMagazine Número 003 Ano I - novembro 2015 | Page 51

53 CRÓNICAS NORTE ALENTEJANO MAGIA Ao longo da semana foi rejeitando liminarmente a ideia, mas quando o pai lhe disse que estava inscrito, deixou de ser o mesmo. Não falava, quase deixara de comer e nem o facto de saber que era apenas um percurso “Fácil Curto”, com nove pontos de controlo, e que a irmã e alguns “coleguinhas” da Escola também iam par cipar, parecia entusiasmá-lo. Ainda aceitou alinhar num pequeno apronto, mas a experiência mais o capacitou que aquilo não era para ele. Só no próprio dia se começou a notar a grande viragem. Estavam todos à mesa e o “acontecimento” era o único tema de conversa. Falava-se da importância de comer pouco e, sobretudo, de mas gar muito bem; dava-se pela enésima vez a “tá ca” e, claro está, desdrama zava-se o resultado. “A correr ou a caminhar, o importante é par cipar!”, era a máxima cul vada lá em casa e que agora, mais do que nunca, nha cabal aplicação. E o João, todo “palpites”, demonstrava um interesse inusitado, par cipava, alinhava. Quem o ouvisse, haveria de pensar que a vida inteira o pequeno rapaz não fizera senão Orientação… Chegados ao local da prova, foi vê-lo em animação crescente. Vaidoso, envergando a “t-shirt” do clube, as perneiras encarnadas, o “chip” bem preso no indicador da mão direita, seguiu sal tante ao lado do pai a caminho das par das. Não rava os olhos dos atletas à sua volta e que aguardavam a hora de saída. Alguns eram bastante velhos e muitos nham nomes estranhos nos dorsais. Sob um céu azul e em ambiente de verdadeira festa, ali estava ele, o mais pequenito entre os mais pequenitos, fazendo o “clear”, primeiro, depois o “check” e o “start”, só então arrancando para a sua primeira prova de Orientação, “a solo”. Cedo começaram as hesitações. Resis u uma, duas, três vezes a perguntar ondeestava, mas lá foi seguindo os trilhos cada vez mais cer nho. E mais depressa! O pai acompanhava-o “na sombra”, certo de que o pensamento da criança não se distribuía apenas pelo mapa e pelo terreno. A bússola era uma rosa-dos-ventos que o levava, como por magia, ao encontro de lugares misteriosos, princesas encerradas na torre mais alta do castelo mais alto, cavaleiros audazes, monstros horrendos, fadas boas e más, homens com máscaras de ferro e rapazes de bronze… E ele, herói solitário e destemido, no seu passito sal tante, miudinho, via o seu mundo de fantasia tornar-se realidade a cada ponto controlado. Já no corredor do “finish”, todas aquelas pessoas desconhecidas que agora o incen vavam e aplaudiam, eram disso a prova provada. E, se dúvidas restassem, no som era o seu nome que anunciavam. Finalmente, estendendo as mãozitas ainda trémulas, o saco que simpa camente lhe ofereciam materializava o Graal da sua gloriosa demanda. Entre o orgulhoso e o receoso, o pai aproximou-se. Ainda ofegante, a criança ofereceu-lhe um sorriso de “orelha a orelha”. E quando lhe perguntou “ - que tal, João?”, a resposta saiu pronta, plena de certezas e de sinceridade, bem ao seu jeito: “Delicioso, pai! Tudo delicioso!” Joaquim Margarido [Extraído do livro “Crónicas Norte Alentejano O' Mee ng 2010”, de Joaquim Margarido]