Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 86

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 período das férias teríamos aulas, e o período das aulas seria transformado em férias! E não era pra eu me empolgar? Estudar só três meses por ano? Inacreditável! Seria a glória! Daí o meu interesse pela campanha e pelo meu ídolo. Ele era o máximo! Quantas ideias maravilhosas! Como eu o admirava! Hoje, com os meus cabelos brancos, rememoro tudo isso e chego a ter ataques de riso quando penso em algum detalhe particular daquelas nossas conversas. Propostas utópicas! Devaneios... Sandice pura! O pior de tudo é que eu procurava passar essas ideias adiante! Dentro de minha ingenuidade e afoiteza, propagar esta campanha era primordial! Em casa falava com minha mãe, com meus irmãos, com os vizinhos. Na escola, falava com os meninos. Mas ninguém me ouvia. Ninguém se empolgava... Cheguei até mesmo a pensar que o ideal seria levar todas essas pessoas até a casa do Seu João, assim ele mesmo exporia suas ideias e seu programa de governo. Quem sabe assim, as pessoas se motivariam! Que nada... Ninguém queria me ouvir... Quando dava por mim, falando pelos cotovelos, entusiasmado com a campanha, estava sozinho. As pessoas davam-me as costas, e eu ficava pregando no deserto. Achava-as tolas, desinteressadas, burras mesmo! Afinal, não davam ouvidos a ideias de vital importância, a planos que mudariam totalmente suas vidas! Seria uma guinada de cento e oitenta graus! Bobagem... Inútil tentar convencê-las... Eu me sentia mais triste ainda porque percebia a minha incompetência como cabo eleitoral. Nunca poderia ser um deles! Não conseguia convencer ninguém! E foram muitos meses assim, anos até! De repente, a voz do “Meu Presidente” se calou. Não falava mais... Nem comigo, nem com ninguém. Ficou triste, abatido. Nem engraxava mais os sapatos! Também, não os usava! Só calçava chinelos e quase não andava. Só que uma alegria eu ainda sentia. Não ouvia a sua voz, mas seus olhos me falavam. Seu jeito de me olhar ainda era o mesmo. Transparecia amor, carinho, cumplicidade. Eu ficava tempo ao lado dele, sentado em uma cadeira no canto do quarto... “Meu Presidente” estava muito mal. Eu não sabia bem o que lhe acometia o corpo, mas percebia que estava chegando ao fim. Ao fim da campanha, ao fim da proeza, ao fim da vida… E o agosto terrível chegou... Levou, com seus ventos mórbidos e angustiantes, a vida do “Meu Presidente”. Velho amigo! Meu timoneiro! Sempre que passo por aquela rua, olhando aquela varanda, vislumbro a sua imagem no mesmo traje de linho, com aquele sorriso zombeteiro, com aquele olhar afetuoso, e com a mesma imponência do “Meu Presidente”. 81