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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 Verdade mesmo! Nesses dias eu nem passava pela praça. Ia cedo para a casa do Seu João. Sujeito incrível! Meu ídolo! Gostava tanto de conversar com ele que fazia meu serviço lentamente, com esmero excessivo. Nunca lhe sujei as meias! Alongava minha tarefa ao máximo para poder ficar mais tempo ao lado dele. Como era sábio! Sempre que eu chegava, um farto café da manhã me esperava. Até queijo eu comia! Parecia mais um banquete! Nutria um carinho especial por mim... Acho que era mais um caso de simpatia recíproca, de empatia, de encaixe completo. Aquela velha estória de panela e tampa... Era mais que isso! Era uma afinidade tamanha, tão intensa e profunda, que fazia o tempo voar, que alimentava a minha alma! Homem de seus cinquenta e tantos anos, muito calmo, costumeiramente vestido em terno de casimira ou de linho bem amarrotado, os cabelos sempre lustrosos, recendendo à brilhantina. Mãos grandes, com as unhas sempre bem aparadas, e trazia no dedo anular um largo anel de ouro com uma imensa pedra de rubi. Uma figura marcante, sem dúvida alguma! Seu João era meu chapa! Sempre que falava comigo, com aqueles olhos de raios-X, não hesitava em demonstrar seu afeto e me fazer um agrado. Às vezes fico pensando se eu não encontrava nele aquele pai que eu havia perdido?! Sei lá... Só sei que ele era muito importante pra mim! Guardava as suas palavras como um registro, e as ficava matutando à noite, antes de dormir. Entre tantas coisas que me passou, guardo claramente e com saudade as suas aspirações. Apesar de toda sua sabedoria, não se aprofundara nos estudos. Deixava claro em suas conversas o desalento desta proeza irrealizada. Queria ter sido engenheiro! Mas, entremeado pelas peripécias que a vida reserva a todos, não passou do quarto ano primário. Foi pra luta, trabalhou muito, e tornou-se cartorário. Aliás, profissão que levou até o fim da vida! Mas o que mais me empolgava mesmo, era a sua campanha política. Conversava horas e horas, comigo, sobre isso. Estava se preparando para ser Presidente da República! Hoje sei que só falava disso comigo, é claro! Falava sobre suas estratégias políticas, seu plano de governo, da escolha e da preparação de seus cabos eleitorais... Juro! Desejava ser um deles! Eu me sentia tão envolvido com suas ideias, que queria que os dias voassem para que eu me tornasse mais velho e pudesse chegar a ser um cabo eleitoral dele. Verdade! Era até capaz de fechar os olhos e me imaginar com as mãos cheias de “santinhos” com o retrato dele, e com bandeiras trazendo o “slogan” de sua campanha. Sabe como ele me “comprou” nesta campanha toda? Com seu plano de mudar o calendário. Afirmava, e isso acontecia sempre que nos encontrávamos, que quando fosse Presidente da República mudaria completamente o calendário. Não haveria dias comuns da semana. Nada de feira, feira, feira... Só existiriam o sábado e o domingo. E mais ainda, o calendário escolar seria invertido. No 80