Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 84

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 Meu Presidente Regina Ruth Rincon Caires Araçatuba/SP Início da década de 1960... A pequena vila, acanhada, era quase estéril de empregos. Afora os pequenos sitiantes e comerciantes, o resto lutava só Deus sabe como... Mas tudo era mais fácil, visivelmente mais fácil que hoje. É bem verdade que a comida não era tão diversificada como agora, mas existia a fartura. Em quase todas as casas podia-se ver uma horta ampla, um chiqueiro apinhado de crias, galinhas aos montes, sem contar as frutas! A gente comia até se fartar, e não havia a menor preocupação com a sobrevivência futura, como hoje. Não sei se isso, se essa despreocupação estava só com as crianças, e ficava para os adultos a angústia do “como fazer?”. Acho que não... As pessoas eram leves, não mostravam tensão. Eram falantes, alegres, maravilhosamente solidárias. Tempo bom! Sadio nos costumes e nas amizades! Em casa, minha mãe, viúva, com uma penca de filhos... Éramos assustadoramente pobres, quase sem perspectivas, mas comida não faltava. Do quintal vinha muito do nosso sustento. Comum era a troca de verduras e legumes com os vizinhos. Não me sai da lembrança o caramanchão de chuchu de Dona Eulália. Imponente, fecundo! Erguido próximo ao batedouro de roupas, alimentado com água em abundância, produzia o ano todo! Todos nós trabalhávamos. Minha mãe fazia salgados para os bares, meu irmão era metido a eletricista, o outro era balconista da Casa Pereira, a única loja de tecidos da vila, e assim por diante... Eu, caçula de sete anos, defendia o meu com uma caixa de engraxar. Tempo bom pros engraxates! Todo mundo usava sapatos de couro. Ainda não havia surgido a febre do tênis. Bom mesmo era engraxar botinas! O cano alto permitia cobrar mais caro pelo serviço. Justificável, não? Na praça da igreja, pela manhã, eu tinha o melhor ponto. Cedo, com o sol ainda fraquinho, os velhos se juntavam nos bancos para uma prosa gostosa, e ali eu fazia a minha clientela. Quando o sol esquentava, e até que chegasse a hora de ir para a escola, ficava difícil. Era raro encontrar um ou outro freguês pelas ruas. De vez em quando conseguia algum na barbearia. Mas, decididamente, não era vantajoso esperar. Achei uma saída espetacular! Ia engraxar em domicílio! Passava pelas casas e assim engraxava os sapatos da família inteira. Com o tempo consegui organizar uma clientela fixa, e com isso tinha trabalho de segunda a sábado. Já sabia que na segunda-feira engraxaria na casa do Seu Dorival, na terça na casa do Seu Duílio, na quarta na casa do Seu Osório... Adorava as sextas-feiras! 79