Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 62

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 Fala do Instinto Eduardo Jablonski Santo Antônio da Patrulha/RS Magda abre a porta, mas retorna: cansou da rua. Comeu nada o dia todo, por isso cozinha. Pratos sofisticados é a melhor maneira de se acalmar. Quando jovem, frequentou cursos de culinária, cozinha francesa, japonesa, tailandesa, uruguaia. Mesmo não conhecendo idioma estrangeiro, enchia-se para dizer Poisson. Ouve jazz enquanto prepara a refeição. Embala-se, as ondas cerebrais flutuam. Não come demais porque tem planos. Deita-se, relaxa. Tinha brigado com funcionário, discussão medonha. O sono dedilha o corpo. Cabelos soltos respiram travesseiro. Faíscas de luz penetram as frestas. O seio empinado provoca a medula de tudo. A excitação viaja, reivindicando. As batidas cardíacas corcoveiam. Lembra as três noites desajeitadas, mas alucinantes com o desconhecido, 15 anos mais novo. Não sabe se deve visitá-lo. Vinte e duas horas respingam no relógio. Pega um livro. Não lê sequer uma linha, a respiração difícil. Chovem cenas de braços, pernas, lençóis, movimento, agitação, cansaço, prazer. No banheiro, o espelho desvenda o transtorno. Respira fundo, percebendo o adocicado formigamento. Sim, terá de visitá-lo, mas a palavra proibido perambula sorridente. Volta para a cama: impossível o sono. Concentra-se(?) nos problemas do dia seguinte. Talvez conversasse com o desafeto? Demiti-lo seria o mais acertado? A carne se aviva, o sangue inflama. O instinto fala. Não suporta a espera, quer agir, desbravar. Ergue-se, abre a porta, quando o telefone grita: - Oi, meu amorzinho, como é que tu vai? Tenho grande surpresa para ti. Não precisei trabalhar hoje de noite. Que tal a gente jantar em lugar interessante e pegar cineminha? Topa? - Adoraria... – diz, fechando a porta com raiva e sentando no chão com violência. 57