Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 27

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 Não é coisa nova, o fato de substituir uma muralha com uma ponte levadiça... Lembro-me de quando era garoto e os nossos jogos de guerra recordavam os torneios dos cavaleiros das "idades escuras". Havia pontes levadiças de castelos. Então crescemos e os jogos ficaram mais realistas. As muralhas voltaram: em Berlim, após em Chipre, Sara Ocidental, Jerusalém, na fronteira do México. Poucas dessas barreiras caíram. Minha cidade ainda está cheia de muralhas compridas, cobertas com frascos de vidro, mas são apenas os restos do passado, barreiras desnecessárias, erguidas em torno de fábricas que não existem mais. Parece que os meus concidadãos não sabem derrubar as muralhas que se tornaram inúteis. Eles as usam para esconder novas realidades marginais, como uma governanta que varre o chão e não limpa, mas esconde a sujeira debaixo do tapete. Essa muralha é uma sobrevivente. Hoje, mais de trinta anos após o encerramento da fábrica, já não protege nada e ninguém, separa apenas a realidade cotidiana e o pesadelo de sua negação, a "não-realidade". Atrás de seus tijolos, há apenas campos de ruínas parcialmente derrocadas e solos impregnados de produtos químicos, precisando de ser recuperados, armazéns em abandono, resíduos de arqueologia industrial, que ninguém pretende restaurar. A muralha protege um monumento autêntico do absurdo: vinte hectares de "sem cidade" e "nenhum país", uma verdadeira cicatriz no coração do desenvolvimento urbano. Falta-lhe só a palavra. Eu acho que nem sempre é necessário derrocar as muralhas. Gostaria que esta fosse preservada, como uma lembrança do século das indústrias, e que, por trás disso, os antigos armazéns restaurados poderiam oferecer o espaço para um lugar de exposições. Os armazéns e as chaminés das antigas usinas industriais são considerados monumentos da arqueologia industrial. Penso que os verdadeiros monumentos do passado são precisamente aquelas muralhas que separaram a cidade dos vivos das "cidades do trabalho". Não derroquem essas muralhas. Em seu lugar, poderia ficar um lugar vazio, e já não saberíamos como enchê-lo, talvez tenhamos que nos arrepender. 22