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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
É certo que inúmeras vidas se perderam na luta contra a ditadura para que
hoje pudéssemos viver numa democracia, mas não creio que o objetivo principal
do revolucionário era adquirir o direito ao voto, mas sim adquirir o direito a não
ser escravizado. Ou mutilado. Parece-me razoável. No entanto, defender que
todos deveriam votar e que quem não o fizer é antipatriota parece-me um
argumento muito pouco justo. Neste momento, metade do mundo sacrifica-se
para que, quando esteja a chover, se possa ir votar acompanhado do chapéu de
chuva. Metade do mundo sacrifica-se para que, quando esteja sol, se possa ir
votar em grande estilo, de Ray-Ban. Metade do mundo sacrifica-se para que
múltiplas experiências em sistemas de votação online sejam feitas. A metade
pobre do mundo dá todos os utensílios de que a metade rica precisará na hora do
sufrágio. Estou certo de que a metade pobre é bem mais antipatriota do que eu,
até porque receber dois dólares por semana enquanto se trabalha 12 horas por
dia é capaz de ser um bocadinho chato, e acaba por não nos fazer sentir o apreço
devido pelo nosso país. Peço, desde já, desculpa a todas as crianças escravizadas
por ser contra o voto e não ter intenção de voltar a exercê-lo. Realmente, vocês
dão-me tudo e eu, como monstro que sou, recuso-me a retribuir-vos.
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