Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 148

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 É certo que inúmeras vidas se perderam na luta contra a ditadura para que hoje pudéssemos viver numa democracia, mas não creio que o objetivo principal do revolucionário era adquirir o direito ao voto, mas sim adquirir o direito a não ser escravizado. Ou mutilado. Parece-me razoável. No entanto, defender que todos deveriam votar e que quem não o fizer é antipatriota parece-me um argumento muito pouco justo. Neste momento, metade do mundo sacrifica-se para que, quando esteja a chover, se possa ir votar acompanhado do chapéu de chuva. Metade do mundo sacrifica-se para que, quando esteja sol, se possa ir votar em grande estilo, de Ray-Ban. Metade do mundo sacrifica-se para que múltiplas experiências em sistemas de votação online sejam feitas. A metade pobre do mundo dá todos os utensílios de que a metade rica precisará na hora do sufrágio. Estou certo de que a metade pobre é bem mais antipatriota do que eu, até porque receber dois dólares por semana enquanto se trabalha 12 horas por dia é capaz de ser um bocadinho chato, e acaba por não nos fazer sentir o apreço devido pelo nosso país. Peço, desde já, desculpa a todas as crianças escravizadas por ser contra o voto e não ter intenção de voltar a exercê-lo. Realmente, vocês dão-me tudo e eu, como monstro que sou, recuso-me a retribuir-vos. 143