Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 147

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 Votar em prol de um país pior Ricardo Nunes Simões Loures - Portugal Fui votar pela primeira vez e, assim que coloquei o voto na urna, arrependi-me. O que me vale é que só votei para as Autárquicas, porque se fosse para as Legislativas a minha consciência teria ficado bem mais pesada. Não me interessa muito a opinião de pessoas sobre o facto de o voto ser um direito ou um dever do cidadão. Eu sei que o meu voto é considerado um direito porque eu tenho o direito de tê-lo, logo tenho o direito de considerá-lo. E decidi considerá-lo um direito. Sem dúvida que não há pior sensação do que quando nos consideramos ultra intelectuais e conhecedores de matéria, em que, de facto, somos autênticos eruditos, e um paspalho qualquer decide atirar bitaites retardados para o meio da atmosfera, fazendo com que nós acabemos por respirar aquilo. Eu senti-me o atirador de bitaites quando fui votar. Contaminei o ar, mas foi sem querer. Se eu percebo menos de política do que o Trump, para quê votar? Se calhar deveria estudar o assunto, para poder votar e sentir-me um verdadeiro cidadão – dirão alguns. Isso seria tornar o meu direito num dever, porque o meu interesse em estudar política é muito mais pequeno do que um anão que sofreu um aborto. Podem dizer-me que se trata de falta de opinião e eu agradecer-vos-ei, porque, até então, não tinha ainda descortinado o termo que mais se apropriasse à privação das minhas crenças. Sou uma pessoa com falta de opinião política e, como tal, não devo votar para não estragar isto ainda mais, se é que dá. Cada vez que toco na política, vou apalpando terreno, como que lhe fazendo cócegas, para perceber até que ponto ela se queixa das barbaridades que eu digo e até onde pode ir a minha penúria. Geralmente estico-me e acabo por ir bastante longe e, depois disso, sinto remorso. 142