Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 133

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 Suicídio Assistido Sobre Trilhos Gabriel Cassar Rio de Janeiro/RJ A velha descamba a reclamar, de forma ininterrupta. — Se eu soubesse que demoraria tanto assim para chegar em casa, teria pego um uber. — Quanto dá de Botafogo até a sua casa? - questiona a outra velhinha, essa mais contida, sentada à frente da primeira. — Costuma dar uns R$45. Eu já pego uber ou táxi mesmo de qualquer jeito, o metrô me deixa numa estação muito perigosa, não dá para eu ir sozinha. A conversa seguia aos berros, com a voz esganiçada da senhora irrompendo naqueles poucos metros quadrados de vagão. A moça do meu lado dava aquela bufada discreta e reposicionava os fones no ouvido. Quem não tinha música para escapar, desesperava-se, franzindo o rosto, coçando os olhos. Um desespero. O metrô ia bem devagar, depois de ter ficado cerca de 40 minutos parado em Botafogo. Nós estávamos em Ipanema e não sabíamos a razão de toda aquela espera. O segurança me garantiu que o problema logo seria resolvido e eu tive qe acreditar. Ir em bora, jamais. R$4,30 é muito dinheiro. De repente, a voz aveludada do piloto aparece nos alto- falantes. — Atenção, passageiros: tivemos um pequeno problema de presença indevida nos trilhos. Em breve, retomaremos nossa viagem. E as conjecturas explodiram. Todos cochichando e supondo o óbvio: suicídio. Era o terceiro naquele mês e eu estive presente nas duas anteriores, tendo ficado preso em ambas. O espanto pela morte alheia logo foi substituído pela impaciência de outrora. A velha continuou a reclamar, a menina a bufar e os trabalhadores, que só queriam voltar para casa depois de um dia exaustivo, a se desesperar. — Pelo que me contaram, um senhor se jogou nos trilhos na estação de Botafogo — conversavam duas meninas do meu lado esquerdo. Mensagens pipocavam no grupo de whatsapp. Eu conhecia uma menina, que tinha uma amiga, que era irmã do tio do moço que se tacou. Todos pareciam querer fazer parte daquela triste história, porque aquela triste história era o fato mais relevante do dia de 128