Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 130

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 eram uma pasta grosseira. Queria com esse gesto acalmar a si mesmo e afirmar que ainda mantinha o controle total da situação. Não! Não iria chegar ao ponto de dizer que tudo estava para sempre perdido e que agora ele estava nos domínios dedáleos do destino. Num instante viu uma rocha. Parou. A contemplação de uma fenda da rocha. Deveria se refugiar ali? O som da chuva dava interferências nos seus pensamentos. Ainda conservava traços de orgulho, como se estivesse a imaginar uma futura biografia: numa terrível tempestade, o poderoso Anselmo recusa-se a se refugiar numa fenda da rocha e constrói por contra própria o seu refúgio. Queria o papel heroico e não a imagem acossada de uma besta encurralada e ofegosa. Num gesto um corisco reverberou em sua mente: uma imagem velha e feminina. De onde vinha essa imagem? De que canto escuro vinha para se assenhorear de suas volições? Parecia uma matriarca soberana. Por alguma associação obscura o valente sentiu-se compelido imediatamente a aceitar o refúgio rochoso. Confiante de sua agilidade, de corredor que compete com cavaleiros, supunha que já não estava mais nos limites de Serra Velha, assim não temeria se alguém o visse naquela posição. Ele tinha chegado aos limites do mundo. Entretanto, o que era Anselmo agora? Um qualquer encharcado pressionado por duas colunas imemoriais de rocha. Talvez chegasse a um ponto em que perdera para sempre sua identidade. Seria apenas uma criatura pré-humana que respirava. Uma massa informe. Olhou para suas roupas. Era como um sacerdote primitivo que tivesse realizado uma hecatombe, como um Elias que tivesse matado os profetas de Baal. Sangue e água unidos no seu corpo testificavam que ele ainda estava ali. As vozes desses elementos queriam dizer algo a ele? Os paredões de rocha abraçavam-no ou sufocavam-no? Eram mãos amigas ou inimigas? De que lado eles estavam? Havia o rabisco de um homem na rocha. Era sua imagem. A imagem do horror traçada com violência. Teria retrocedido ao tempo zero? Num delírio ele via o rabisco se deslocando da parede dando seu filamentinho de mão para a imagem da matriarca soberana e para o homem 125