Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 129

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 Sangue da Rocha Tiago Crisostomo Guerra São Paulo/SP A roupa toda estava ensanguentada. Anselmo corria como se soubesse exatamente o seu destino. Era justamente o contrário: era uma zebra espavorida fugindo de uma fera. O seu refúgio era a velocidade dos seus passos. De longe parecia um borrão vermelho veloz. Sede e tensão pressionavam o corpo debilitado. Seus pensamentos pareciam acompanhar a velocidade do corpo, e como num terremoto um se chocava no outro. A imagem de uma rosa se impôs na sua mente, mas um homem com um capuz negro se aproximava e pressionava a flor como se fosse um cacho de uvas bendito de Canaã. Saía um suco vermelho, vermelho de sangue, que ia crescendo até virar um rio carmesim no qual Anselmo se afogaria. Embebido no sangue real e mental, não percebia o toldo negro que se formava nos céus anunciando que logo cairia uma pesada chuva. As janelas dos céus se abririam como um novo dilúvio determinado a extirpar a raça humana? Ele pereceria enfim e seria apagado da face da terra e ninguém mais faria menção de seu nome? Ele que tanto se gabava: “Aqui em Serra Velha quem não conhece Anselmo?” Num conúbio imprevisto sangue e água se uniam no corpo estreito de Anse lmo. O fluido misto escorria pelo seu corpo e parecia querer fecundar o chão. O vermelho ralo era semeado entre pedras e folhas. A chuva vergastava o homem como se os céus tivessem uma cólera reprimida contra ele. Tentou emitir uma petição a qualquer divindade desconhecida como se quisesse aplacar a ira crescente. Porém, num impulso reteve o clamor como se pudesse extrair força de si mesmo e proclamar sua autorredenção. Ele cada vez mais ofegante. Os céus se convulsionavam. Corria como se a cada momento a terra fosse se abrir e engoli-lo como um anátema das histórias bíblicas. Mantinha ainda seu luxo de passar as mãos pelos cabelos, que agora 124