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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
para onde iremos. No mais, tudo era de um fedor insuportável, mas não menos
belo.
Antes de iniciarmos a partida de futebol com aquelas cabeças famosas, alguém
teve a ideia de arrancar seu couro cabeludo, como faziam os índios norte-
americanos. A do Leiteiro saiu fácil. Me deram de presente. Até hoje guardo
como recordação. Aquela cabeleira farta ondulada que o Nego Cola gostava de
agarrar e puxar com força enquanto entubava o dito sou eu que agora lambuzo
quando louco de tesão e pó no mesmo puxadinho da cela.
E tudo começou por um acaso. Puseram um chegado nosso no ministério da
justiça depois que tomaram o poder na marra, num golpe bem dado. Passada a
surpresa e as comemorações, começamos a nos infiltrar. Claro que o nosso
bróder não estava sozinho e foi assim que todas as portas começaram a se abrir
de norte a sul do país.
Criamos um sistema complexo de comunicação; uma corrente elétrica de
interesses secretos. Os outros continuaram achando que estavam com tudo. Até
estimulamos que pensassem que detinham a maioria. E isso era verdade, tinham
mesmo. Mas desfrutávamos dos gabinetes, gente importante. Eles contavam com
a massa pra matar e morrer, enquanto nós possuíamos as chaves certas. E eles
não sabiam; quase ninguém sabia.
Teve manifestações de estudantes nas principais cidades do país. Nos infiltramos
e enchemos os caras de maconha, cachaça, crack, cocaína; o que quisessem.
Essa meninada adora. Não deu outra. Na primeira dura da polícia, o pau comeu.
Havia agentes nossos entre eles também, claro. A meganhada adora dar em
estudantes, muitos feridos, sangue pra todo lado. O governador falou, o prefeito
falou. Só o presidente não abriu a boca: o bundão. E o nosso povo, nos
ministérios, foi ficando cada vez mais poderoso. Mais orçamento, mais armas,
mais bombas. E nós calados, só infiltrando. Somos gente líquida. Não voamos,
não andamos, não saltamos. Escorremos.
Explodiram outros protestos nas ruas. Maiores. Mais armas, mais orçamentos.
Mais porrada, mais gente presa. De novo a televisão, as rádios, os jornais. Uma
gritaria geral. Fomos entrando em outras paragens, depositando nossos
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