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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
Pouco leite para tanta gente ruim
Roberto Luiz Brant Campos
Brasília/DF
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.
(Carlos Drummond de Andrade, Morte do leiteiro, in A Rosa do Povo, 1945)
A primeira das cabeças a ser atirada no pátio em chamas foi a dele. Mas não foi o
primeiro a morrer porque já estava meio morto quando tudo começou. Alguém
ainda gritou, olha aí o Leiteiro. Isso porque ele tinha uma mania de pedir aos
carcereiros para trazer leite. Enquanto a galera fazia de tudo por um gole de
cachaça, ele insistia naquela coisa branca e gosmenta, indigesta.
Certa vez, pedi que trouxessem uma lata com um pouco de um leitinho
adocicado e macio. Conta-se que ele adorou e quis mais, lambendo os lábios.
Vinha de uma maluca que cismou engravidar dentro da ala feminina, ali do lado.
E nem por isso deixou de amamentar. Como a coisa esguichava dos seus peitões
oceânicos, deram um jeito de recolher um pouco pra dar pro Leiteiro, só de onda.
Isso na época das vacas gordas praquela turma. Afinal, ele era a querida do
chefe e tinha que ser bem tratado. Na outra facção, dizíamos que mamava era de
outro leite, de uma mamadeira preta bem especial. Agora não importava, porque
a segunda cabeça que rolou no pátio foi exatamente a do dono da mamadeira, o
Nego Cola, ao som da gritaria da turba ensandecida.
Foi espetacular. Saiu em tudo quanto é televisão, rádios, o escambau. O prefeito
falou. O governador falou. Só o presidente que não abriu a boca; aquele bundão.
Os corredores foram nossos por várias horas. Uma sangueira espantando para
bem longe qualquer sentimento de pena ou solidão. Cortaram a luz e a água. Foi
melhor. Eles não sabem, mas adoramos o escuro. Pois se é de onde viemos é
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