Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 102

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 O que dita o coração Alexandra Torres Caminha – Portugal Entre a multidão que se divertia ao som da música alta, ela percebeu estar sob o olhar de alguém. Abrandou a dança e procurou em volta. A noite estrelada, a lua intensa e a brisa de verão misturada com o bulício da festa dificultaram a procura. Continuou a dançar com os amigos e foi ele quem procurou. Ela, mesmo sem ter visto se eram aqueles os olhos que a observavam antes, teve logo a certeza de que fora ele quem a fixara. Não eram dois desconhecidos. Mas há muito que não se viam. Foram precisos alguns instantes até se reconhecerem. Ele fora o primeiro namorado dela. Ela fora o seu grande amor. Expressaram sorrisos ao lembrarem-se. Afastaram-se dos seus grupos e acercaram-se um ao outro. Havia algo no ar para além da maresia da praia, para além do odor de uma fogueira a consumir lenha a pouca distância. Talvez fosse o odor em forma de recordação, que emanava dos dois juntos outra vez. “Uma recordação doce e marcante” foi como a descreveram, com palavras tímidas ao ritmo desenfreado das pulsações, cada vez mais próximos. Abstraídos da confusão que os envolvia conversaram até perderem a noção do tempo. De novo, lembraram-se dos bons momentos e até dos mais tristes; de como se encontravam às escondidas dos pais, quando estes pensavam que estudavam; ou de como falavam através de gestos inventados, quando não queriam que mais ninguém percebe-se o que diziam. Riram. E quiseram voltar àquele tempo. Depois, ambos trocaram mostras dessa saudade. A nostalgia deu lugar a passos que estreitaram mais o espaço, ficando muito perto um do outro, volúveis. “O que estamos a fazer?”, podia-se ler nos seus rostos. A voz de alguém que chamava interrompeu o regresso ao passado. Recuaram, acautelando a distância que teimava em desaparecer. Porque não podiam regressar ao passado. Não deviam. Embo