LiteraLivre nº 3
acinzentada. Era um interior dentro da mata mesmo. Árvores para todo
lado. Mas ele não havia notado. Será que era pela abundância? Existiria,
então, um mundo por baixo do outro, que ele só estava vendo agora,
assim, de repente, na pressa de fechar o portão? Aquela mente teria
enlouquecido de fechar portões e guardar-se na sala, no quarto, na
própria intimidade?
Olhou, nos olhos, o gato da casa, mas seus olhos não diziam nada
do que ele queria saber. Aqueles olhos reptilianos e frios. Que tipo de
sentimentos existiria neles? Existiria culpa? Ou culpa, talvez, seja uma
invenção humana? Ficou sem resposta, aflito, procurando alguma coisa
naqueles olhos amarelos. Eles estavam vivos, assim como ele também
está vivo. Pensou: Serei eu o que o meu corpo é? É dos meus olhos
negros, então, que brota toda essa agonia? Olhou ao redor para as
paredes e espantou-se de ver o mundo dividido em dois: o das paredes
e o das pedras sobre pedras.
Levantou-se. Caminhou até o portão, novamente. Olhou a rua e
viu as pedras, os paralelepípedos, o vegetal entre eles. Sentiu que sua
casa esmagava alguma coisa viva, com a ajuda do seu peso dentro dela.
Saiu.
A rua estava vazia. O céu imenso. A tarde terminava. Andou.
Começou uma caminhada. Por vários minutos não pensou em nada.
Calou-se. Ficou mudo pelo que via. Era tudo muito frágil e vivo. Dos
insetos aos urubus. Foi andando tanto que o seu corpo começou a suar.
Aí sentiu mais o corpo, ou melhor, flagrou-se sentindo, com consciência.
Estava pulsante. A mente esgotou-se. Consumiu-se em uma vertigem
de cansaço. A noite já estava esfriando. E isso lhe causou um calafrio. A
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