Revista LiteraLivre 3ª edição | Page 91

LiteraLivre nº 3 acinzentada. Era um interior dentro da mata mesmo. Árvores para todo lado. Mas ele não havia notado. Será que era pela abundância? Existiria, então, um mundo por baixo do outro, que ele só estava vendo agora, assim, de repente, na pressa de fechar o portão? Aquela mente teria enlouquecido de fechar portões e guardar-se na sala, no quarto, na própria intimidade? Olhou, nos olhos, o gato da casa, mas seus olhos não diziam nada do que ele queria saber. Aqueles olhos reptilianos e frios. Que tipo de sentimentos existiria neles? Existiria culpa? Ou culpa, talvez, seja uma invenção humana? Ficou sem resposta, aflito, procurando alguma coisa naqueles olhos amarelos. Eles estavam vivos, assim como ele também está vivo. Pensou: Serei eu o que o meu corpo é? É dos meus olhos negros, então, que brota toda essa agonia? Olhou ao redor para as paredes e espantou-se de ver o mundo dividido em dois: o das paredes e o das pedras sobre pedras. Levantou-se. Caminhou até o portão, novamente. Olhou a rua e viu as pedras, os paralelepípedos, o vegetal entre eles. Sentiu que sua casa esmagava alguma coisa viva, com a ajuda do seu peso dentro dela. Saiu. A rua estava vazia. O céu imenso. A tarde terminava. Andou. Começou uma caminhada. Por vários minutos não pensou em nada. Calou-se. Ficou mudo pelo que via. Era tudo muito frágil e vivo. Dos insetos aos urubus. Foi andando tanto que o seu corpo começou a suar. Aí sentiu mais o corpo, ou melhor, flagrou-se sentindo, com consciência. Estava pulsante. A mente esgotou-se. Consumiu-se em uma vertigem de cansaço. A noite já estava esfriando. E isso lhe causou um calafrio. A 85