LiteraLivre nº 3
justo não pagar. Outra coisa: ele propõe pra quem?”
“Ele é vereador.”
“Ah! Já estou achando o velho esperto. O senhor não acha?”
“Não acho ele esperto, mas isso não vem ao caso, apenas está
defendendo uma forma alternativa de pagar um táxi. Na verdade, ele acha
que a cidade, um dia, vai se entupir de carros. Ele depositou na Câmara de
Vereadores a ‘Lei da Bandeirada’, que mofa há mais de um ano esperando
apreciação dos vereadores.”
“Lei da Bandeirada?”
“É, ele diz que flexibilizando a bandeirada vai aumentar a freqüência de
usuários de taxi e vai diminuir o trânsito na cidade. Vai ser bom pra todo
mundo.”
“Então o homem parece competente, não é?”
“Não muito, porque a frota de táxis aqui é pequena e só pode resolver o
problema parcialmente, muito parcialmente, pois a maioria esmagadora da
população não tem dinheiro pra pegar táxi. ”
“Então, o senhor não o acha um demagogo? Só quer apoio popular pra
ganhar a próxima eleição!”
“Não, não acho que seja demagogo. Ele não se candidata mais. Cansou-
se da politicagem. Ele acredita mesmo no que faz. O problema é que o projeto
é bom, mas só na teoria. Na prática, os taxistas perderiam, ganhariam menos
trabalhando mais e, portanto, tal projeto nunca será aceito porque vocês são
um grupo de pressão organizado. Repito: o problema é ele, porque é o único a
acreditar no projeto. Já viu projeto ganhar com um voto?”
“Já sei, ele é burro!”
“Eu já disse a mesma coisa. Lembra que eu disse que ele não era vivo?
Bom, chegamos! Calcule aí quanto fica já tirando os quatro reais desse total!
“O senhor está a brincar!” “Quá, quá, quá, estou sim! Aqui está o
dinheiro, com a bandeirada.”
“Quá, quá, quá! Aquele velhinho era interessante, pois não? Passou-me
a perna e estou a rir!”
“É, ele é complicado, como todos nós. Boa noite.” “Boa noite.”
O que eu não contei ao taxista é que eu não conhecia o velhinho.
Cumprimentei-o por respeito à idade e por ter sorrido pra mim, simplesmente.
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