Revista LiteraLivre 3ª edição | Page 88

LiteraLivre nº 3 justo não pagar. Outra coisa: ele propõe pra quem?” “Ele é vereador.” “Ah! Já estou achando o velho esperto. O senhor não acha?” “Não acho ele esperto, mas isso não vem ao caso, apenas está defendendo uma forma alternativa de pagar um táxi. Na verdade, ele acha que a cidade, um dia, vai se entupir de carros. Ele depositou na Câmara de Vereadores a ‘Lei da Bandeirada’, que mofa há mais de um ano esperando apreciação dos vereadores.” “Lei da Bandeirada?” “É, ele diz que flexibilizando a bandeirada vai aumentar a freqüência de usuários de taxi e vai diminuir o trânsito na cidade. Vai ser bom pra todo mundo.” “Então o homem parece competente, não é?” “Não muito, porque a frota de táxis aqui é pequena e só pode resolver o problema parcialmente, muito parcialmente, pois a maioria esmagadora da população não tem dinheiro pra pegar táxi. ” “Então, o senhor não o acha um demagogo? Só quer apoio popular pra ganhar a próxima eleição!” “Não, não acho que seja demagogo. Ele não se candidata mais. Cansou- se da politicagem. Ele acredita mesmo no que faz. O problema é que o projeto é bom, mas só na teoria. Na prática, os taxistas perderiam, ganhariam menos trabalhando mais e, portanto, tal projeto nunca será aceito porque vocês são um grupo de pressão organizado. Repito: o problema é ele, porque é o único a acreditar no projeto. Já viu projeto ganhar com um voto?” “Já sei, ele é burro!” “Eu já disse a mesma coisa. Lembra que eu disse que ele não era vivo? Bom, chegamos! Calcule aí quanto fica já tirando os quatro reais desse total! “O senhor está a brincar!” “Quá, quá, quá, estou sim! Aqui está o dinheiro, com a bandeirada.” “Quá, quá, quá! Aquele velhinho era interessante, pois não? Passou-me a perna e estou a rir!” “É, ele é complicado, como todos nós. Boa noite.” “Boa noite.” O que eu não contei ao taxista é que eu não conhecia o velhinho. Cumprimentei-o por respeito à idade e por ter sorrido pra mim, simplesmente. 82