Revista LiteraLivre 3ª edição | Page 87

LiteraLivre n º 3
P . Campanario Florianópolis / SC

O Senhor Sorridente

Esperei o senhor de idade descer do táxi . Cumprimentamo-nos com boas-tardes e sorrisos e entrei dando um outro para o taxista . Mas este , pelo contrário , não deu bola para minha saudação , recebeu-me com o cenho fechado e já foi logo me inquirindo a respeito do velho que acabara de sair . “ O senhor cumprimentou-o , não ? Conhece-o ou equivoco-me ? ” “ Sim , somos conhecidos , sempre batemos papo ali no bar da esquina , perto de onde o senhor deixou-o . Algum problema ?”
“ Veja só ; terminada a corrida , o taxímetro marcava 24 Reais . O velhote deu-me 20 e disse : ‘ Já descontei os quatro que marcava o medidor quando entrei ’, deu-me um boa noite e saiu sem titubear e , ainda por cima , sorriu . O senhor Pedro percebe a situação ? Desagradável no mínimo , não ?”
“ Ele sorria realmente ao sair e até cumprimentei-o porque nos conhecemos , mas não podia saber nem imaginar que ele tinha deixado de pagar a bandeirada .”
“ Pois o deixei ir porque de brigar não gosto , o sujeito avança na idade e isso é coisa de caipira que nunca tomou táxi . É um ignorante , pois não ?”
“ Não acho que seja ignorante . Ele nasceu aqui e certamente conhece a bandeirada . Além disso , é advogado . Ele é tudo , menos ignorante .”
“ Se ele sabia que existe a bandeirada e não pagou , só pode ter sacanagem nessa história . Ele é desonesto ! Também não está de acordo ?”
“ O senhor me desculpe , mas se tivesse insistido pra ele pagar , ele pagaria . O senhor insistiu ?”
“ Não , não insisti . Nunca insisti pra freguês nenhum pagar . Eu acho que ele me fez de bobo . Ele é velho , sabe que eu não posso agredi-lo . É um provocador , é isso aí !”
“ Não , de jeito nenhum . Outro dia , no bar , ele me explicou porque ele é contra a bandeirada . Diz ele que nada mais justo que ela exista pra evitar que o taxista faça viagens curtas , de uma quadra , por exemplo , a preço de banana . O problema é pra quem vai fazer uma viagem longa . Nesse caso , a bandeirada não serve pra nada ! E hoje os taxímetros são eletrônicos e podem ser programados . Ele propõe uma bandeirada proporcional ao valor pago no fim da corrida . Se o cara anda um quarteirão , paga integralmente os quatro Reais , se vai longe , acima de vinte Reais , não paga nada , justamente como ocorreu há pouco . No meio disso , bandeiradas proporcionais ao tamanho do recorrido . Ele chama isso de bandeirada variável .”
“ É , o homem é inteligente , reconheço . O senhor sabe que eu já tinha pensado nisso ? Realmente , pra quem vai fazer uma viagem longa , seria mais
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