LiteraLivre nº 3
mais cheio de ternura de sua liberdade, ainda que um amor platônico e
meio a sua malfadada desventura financeira.
A jovem e bela Justine também teria sido fruto do ocaso do poço
ao luar, seu patrão, o ferreiro Joaquim contava-lhe que ao deflorar sua
amada mulher descobriu que ela era estéril. Assim Joaquim clamou ao
Deus do alto e o poço do baixo o qual a fundura não se podia desvelar,
depositou toda semana um dobrão naquele poço até que com os meses
a resposta lhe sobreveio pela esperada gravidez de sua mulher. Joaquim
que conhecia terras inglesas assim batizou Justine por considerar justiça
e gracejo do insondável poço o qual somente se poderia vislumbrar pelo
ribombar dos sons dos dobrões caindo em seu fundo.
Muitas eram as histórias de desejos atendidos por coincidência e
sorte ou destino dos deuses e orixás. Mas João ainda que um crente no
Deus dos cristãos passou lá depositar moedas junto com sua fé, na
esperança de que seu desejo se concretizasse.
Durante o primeiro mês João passou depositar todos os sábados
suas finanças e esperanças, mas como num infortúnio não teve
respostas a não ser um agourento silêncio do poço. Assim passou-se
dois meses e mesmo quando as trevas da noite se adensavam João
passou a depositar e depositar.
Passou-se então quatro meses, cinco e seis até que numa noite
sob a lua cheia João parecia exasperado com aquele lugar. Depositou
suas moedas até a última o fundo tocar e murmurou e depois praguejou
contra o infortúnio do poço que tragou por gerações passado adentro
fortunas. Tomado então por uma perplexidade mesclada a fúria inclinou-
se sob a abertura na esperança de que o fulgor do luar lhe descortinasse
algo. Ouviu água, mas apenas de forma pardacenta consegui
contemplar até que o muro que lhe escorava cedeu até o fundo a seu
derradeiro fim.
Seu corpo estava estropiado e contorcido por fissuras e fraturas
expostas quando despertou a fintar o céu estrelado e o luar pela
76