Revista LiteraLivre 3ª edição | Page 52

LiteraLivre n º 3
casa . Em sua vida . Para repor o que foi quebrado , o que foi desperdiçado . Eu querendo ir e querendo ficar . Ele me oferece seus ovos . Mora perto . Gentilezas nascendo . Lábios sorrindo . Dentes mostrando . Brancos , tão brancos no pensamento obscuro . E sorri na tarde calorosa . Suor escorre pela pele , pelo poro , pela curva , pela dobra . Derreto . De desejo . Peço água . Desisto . Rendida . Abre a geladeira . Tudo em ordem , etiquetado nos potes de plástico . Mundo perfeito . Meu mundo em desordem . A caixa de ovos na prateleira de cima . Ao fundo . Difícil alcançar . Mãos se tocam . Desculpas dadas . Desculpas aceitas . Sorrisos sem graça . Sorrisos brancos . Desgraça .
Eu caminho . Tu caminhas . Nós caminhamos . Cada qual no mesmo pedaço , o corredor que leva ao quarto . Um caminho que cabem dois mundos . Passos rápidos . Sem acompanhar o tempo . Sou convidada a entrar em sua cama . Em sua vida . Ele se oferece . Gentilezas nascendo . Lábios sorrindo . Dentes mostrando . Brancos , tão brancos no pensamento feito de ares desconhecidos , de novos cheiros . E sorrimos na tarde amorosa . Suor escorre pela pele , pelo poro , pela curva , pela dobra . Derreto . De desejo . Peço água . Peço a lua e as estrelas , o céu e o mar . O céu ele me dá . Rendida . Tudo em ordem . Mundo perfeito . E cresce a conversa . E cresce a fome no ventre . E crescem os filhos . E cresce a conta de luz . E cresce a conta do condomínio . E cresce a conta do telefone . E cresce a matrícula da escola . E cresce a água no tanque . E cresce as discussões com o marido . E cresce o escuro da noite . E crescem as árvores no quintal . E cresce a ansiedade . E o sol da tarde se espicha na janela . Amarelo como uma gema gigante pairando no céu . As crianças logo voltam da escola . E o marido . Com a fome crescida no
46