Revista LiteraLivre 3ª edição | Page 29

LiteraLivre nº 3 chegado, ouvir o que ele falava, discutir, brigar, pensar alto, tudo tão estimulante, tão diferente do namoro de flores de jasmim. Estavam os três sempre juntos. E o Arlequim vestia-se de preto e vermelho e tinha o dom das belas frases, e o Pierrô era um garoto tímido que não a olhava nos olhos e quase nunca abria a boca. Ela expôs segredos. Falou das flores e do portão e do banco da pracinha, e o Arlequim ria e perguntava de que século Pierrô tinha vindo, e o menino ruborizava e olhava para ela com aquele olhar agoniado, e então ela ria e se sentava em seu colo e beijava sua boca e o Arlequim fingia que estava olhando para alguma coisa acontecendo longe dali. Ela expôs ideias. Discutiu as aulas e a filosofia e a história da arte e o comprimento de seu cabelo, perguntou se devia cortar os longos cachos e os dois disseram que não, perguntou se devia fazer regime ou parar de usar saia curta ou fazer ginástica, e eles disseram que não e ela riu alegremente, e o Arlequim sorriu para ela e o Pierrô não disse nada e parecia muito, muito triste. No dia em que ela cedeu, estavam todos em sua casa, que era um território tudo menos neutro, e ela tinha comprado champanhe para brincar um pouco e pediu para seu namorado servir. Taças de cristal e tudo o mais. Ligou o som da sala e o Arlequim segurou sua cintura e os dois começaram a dançar. Sozinhos na sala. Ela estava rindo. Ele ergueu sua blusa, cruzou as mãos em suas costas, e ela brincou com o cabelo dele. Ele beijou seu rosto dos dois lados, depois o canto da boca e então seus lábios abertos. E então o Pierrô entrou na sala, segurando a bandeja com as tacinhas de champanhe. Que ele deixou em cima da mesa sem uma palavra. Sem acusação. Foi para a cozinha em silêncio. Ela afastou-se do Arlequim. Deixou-o de pé na sala, um ar perdido no rosto, e foi até o namorado e ele estava de costas e ela o abraçou por trás. Ele ficou imóvel por um longo segundo e depois segurou as mãos 23