LiteraLivre nº 3
chegado, ouvir o que ele falava, discutir, brigar, pensar alto, tudo tão
estimulante, tão diferente do namoro de flores de jasmim.
Estavam os três sempre juntos. E o Arlequim vestia-se de preto e
vermelho e tinha o dom das belas frases, e o Pierrô era um garoto
tímido que não a olhava nos olhos e quase nunca abria a boca.
Ela expôs segredos. Falou das flores e do portão e do banco da pracinha,
e o Arlequim ria e perguntava de que século Pierrô tinha vindo, e o
menino ruborizava e olhava para ela com aquele olhar agoniado, e então
ela ria e se sentava em seu colo e beijava sua boca e o Arlequim fingia
que estava olhando para alguma coisa acontecendo longe dali.
Ela expôs ideias. Discutiu as aulas e a filosofia e a história da arte e o
comprimento de seu cabelo, perguntou se devia cortar os longos cachos
e os dois disseram que não, perguntou se devia fazer regime ou parar
de usar saia curta ou fazer ginástica, e eles disseram que não e ela riu
alegremente, e o Arlequim sorriu para ela e o Pierrô não disse nada e
parecia muito, muito triste.
No dia em que ela cedeu, estavam todos em sua casa, que era um
território tudo menos neutro, e ela tinha comprado champanhe para
brincar um pouco e pediu para seu namorado servir. Taças de cristal e
tudo o mais. Ligou o som da sala e o Arlequim segurou sua cintura e os
dois começaram a dançar. Sozinhos na sala. Ela estava rindo. Ele ergueu
sua blusa, cruzou as mãos em suas costas, e ela brincou com o cabelo
dele. Ele beijou seu rosto dos dois lados, depois o canto da boca e então
seus lábios abertos.
E então o Pierrô entrou na sala, segurando a bandeja com as tacinhas
de champanhe.
Que ele deixou em cima da mesa sem uma palavra. Sem acusação. Foi
para a cozinha em silêncio.
Ela afastou-se do Arlequim. Deixou-o de pé na sala, um ar perdido no
rosto, e foi até o namorado e ele estava de costas e ela o abraçou por
trás. Ele ficou imóvel por um longo segundo e depois segurou as mãos
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