Revista LiteraLivre 3ª edição | Page 27

LiteraLivre nº 3 mesmo. Escolheu uma das primeiras cadeiras e pegou o bonde andando num debate que já ia pelo meio, ouviu uma menina dizer: - Eu realmente não acho possível equiparar os mitos brasileiros com a Comédia Dell’Arte, não só pelo que eu já comentei da sensualidade, do romance todo, não, eu acho que nosso folclore é estático, sempre os mesmos personagens, sempre as mesmas historinhas, não tem esse movimento- Ele levantou a mão. A professora quase interrompeu a menina para lhe dar a palavra. - Desculpe cortar sem nem ouvir sua introdução, mas qual mudança existe na estrutura da Comédia? - É um teatro! Ela muda cada vez que é apresentada, cada artista faz o que bem entende, dá sentidos diferentes e palavras diferentes de acordo com a inspiração do momento e provavelmente da reação da plateia, entende? É uma dialética contínua. Ele não insistiu. Na hora do intervalo, estava sentado numa das mesas da cantina quando ela chegou perto, dois minutos depois dos dois saírem da classe. -Tive a impressão de que você não concordou comigo, disse sem rodeios sentando-se na frente dele. -De fato, não concordei. -De fato, arremedou ela –Linguagem pouco comum para o aluno médio do colegial. - Eu pareço um aluno médio? - Parece. Só um pouco mais bonito. Ele ficou sem resposta. Era a primeira vez em tempos que isso acontecia. 21