LiteraLivre nº 3
mesmo. Escolheu uma das primeiras cadeiras e pegou o bonde andando
num debate que já ia pelo meio, ouviu uma menina dizer:
- Eu realmente não acho possível equiparar os mitos brasileiros com a
Comédia Dell’Arte, não só pelo que eu já comentei da sensualidade, do
romance todo, não, eu acho que nosso folclore é estático, sempre os
mesmos personagens, sempre as mesmas historinhas, não tem esse
movimento-
Ele levantou a mão. A professora quase interrompeu a menina para lhe
dar a palavra.
- Desculpe cortar sem nem ouvir sua introdução, mas qual mudança
existe na estrutura da Comédia?
- É um teatro! Ela muda cada vez que é apresentada, cada artista faz o
que bem entende, dá sentidos diferentes e palavras diferentes de acordo
com a inspiração do momento e provavelmente da reação da plateia,
entende? É uma dialética contínua.
Ele não insistiu. Na hora do intervalo, estava sentado numa das mesas
da cantina quando ela chegou perto, dois minutos depois dos dois
saírem da classe.
-Tive a impressão de que você não concordou comigo, disse sem rodeios
sentando-se na frente dele.
-De fato, não concordei.
-De fato, arremedou ela –Linguagem pouco comum para o aluno médio
do colegial.
- Eu pareço um aluno médio?
- Parece. Só um pouco mais bonito.
Ele ficou sem resposta. Era a primeira vez em tempos que isso
acontecia.
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