Revista LiteraLivre 3ª edição | Page 17

LiteraLivre n º 3

Águas Do Meu Batismo

Ernane Catroli Rio de Janeiro – RJ
Era o vento . O vento salgado , as cores da manhã e o ruído crescente das ondas na areia . Baixa temporada agora . Seguia pela aleia de cascalho que levava ao casarão de dois andares . Pensão do Farol . Foi Chan , a muda , quem atendeu a porta . Os olhos apertados . Um risco negro , fino . As sapatilhas de pano bordadas . Fez uma reverência . Depois , seus passos curtos na escada e na mão esquerda a minha pequena bagagem . Como num jogo de cena , dona Jovita surgiu no final do corredor seguida por Lord . Lord , aquela sombra lenta , arrastada . Lord , o gato rajado . Tão velho ! Dona Jovita , mais magra . Um meio sorriso quando se aproxima . Cabelos ralos . Olho pela janela e é Milena quem emerge da paisagem . Muitas vezes . Milhares de vezes .
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A noite antiga . Azul . Toda a nossa louca juventude sem direitos , sem leis . Ainda hoje . Tanto tempo agora . O lado do quarto onde permaneço tenso e mudo . Leve brisa nas cortinas . A voz imperativa de dona Jovita . Milena deitada na minha cama de solteiro . Seus olhos aumentados . Sobre o criado-mudo , a infusão de ervas para ser ingerida aos poucos , conforme recomendação de dona Jovita . A pequena maleta aberta sob a luz do abajur . O início . O meio . O corpo sabe , reclama . A hora inaugurada e os gemidos . Ondas , jorros de sangue . Coágulos . E eu querendo o fim desta escrita difícil , tortuosa . Ouvia-se o mar .
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