LiteraLivre nº 3
escapassem propositalmente. Desejava que não se habituasse ao
espaço, cheio de perguntas burocráticas e obviedades sacralizadas.
Ah, percebia-se que ela era devota de literatura fina, sabe. Em sua
mesa, costumava ter livro com página marcada, seja com papel
amassado ou uma caneta. E, hora ou outra, dava de ler alguma coisa.
Não foi à toa que lhe perguntei o gosto por Machado e Proust. E
ela sorriu, acenando, com presteza, afirmativamente. Aliás, poucas
vezes ouvi sua voz que se assemelhava veludo. “Dizia”, realmente,
quando suas pernas se levantavam a fim de recolher as cópias saídas de
uma antiga impressora lá no canto.
Lá, pelas quatro da tarde, de um dia que não me recordo,
apareceu o homem com seus quase cinquenta anos. Sentou na cadeira,
à esquerda, no fundo, e decidiu permanecer por ali até que o local se
fechasse e, enfim, assumido de coragem e amor, se dirigisse a moça
quase balzaquiana.
Ela o olhou escondida e incomodada. Sabia de sua devoção. Já
havia sondado os olhares lançados quando dava de levantar. Andou
descompensada, reticente, diminuída. A contemplação daquele homem
a tirava da linha reta, a fazia intolerante a si mesma, ao corpo que
aproximava tantos olhos.
O homem manteve-se, à espera de uma lacuna para que,
finalmente, revelasse sua pretensão tão nunca e constantemente
declarada. Fim do expediente. Guarda de documentos e pertences
largados em volta da mesa. Silêncio pertencendo ao espaço.
Ele decidiu se achegar, refutar formas de desesperança e
descrédito que a moça poderia trazer. Pulou algumas cadeiras e solicitou
informação ao homem do lado com a intenção de amenizar os ares de
desassossego. Ela, neste exato momento, não se encontrava.
Mas, pressentia sua chegada. Mãos, trêmulas, revelavam o quão
importante se convertia a moça para a sua vida esquecida. Ao adentrar
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