Revista LiteraLivre 3ª edição | Page 128

LiteraLivre nº 3 escapassem propositalmente. Desejava que não se habituasse ao espaço, cheio de perguntas burocráticas e obviedades sacralizadas. Ah, percebia-se que ela era devota de literatura fina, sabe. Em sua mesa, costumava ter livro com página marcada, seja com papel amassado ou uma caneta. E, hora ou outra, dava de ler alguma coisa. Não foi à toa que lhe perguntei o gosto por Machado e Proust. E ela sorriu, acenando, com presteza, afirmativamente. Aliás, poucas vezes ouvi sua voz que se assemelhava veludo. “Dizia”, realmente, quando suas pernas se levantavam a fim de recolher as cópias saídas de uma antiga impressora lá no canto. Lá, pelas quatro da tarde, de um dia que não me recordo, apareceu o homem com seus quase cinquenta anos. Sentou na cadeira, à esquerda, no fundo, e decidiu permanecer por ali até que o local se fechasse e, enfim, assumido de coragem e amor, se dirigisse a moça quase balzaquiana. Ela o olhou escondida e incomodada. Sabia de sua devoção. Já havia sondado os olhares lançados quando dava de levantar. Andou descompensada, reticente, diminuída. A contemplação daquele homem a tirava da linha reta, a fazia intolerante a si mesma, ao corpo que aproximava tantos olhos. O homem manteve-se, à espera de uma lacuna para que, finalmente, revelasse sua pretensão tão nunca e constantemente declarada. Fim do expediente. Guarda de documentos e pertences largados em volta da mesa. Silêncio pertencendo ao espaço. Ele decidiu se achegar, refutar formas de desesperança e descrédito que a moça poderia trazer. Pulou algumas cadeiras e solicitou informação ao homem do lado com a intenção de amenizar os ares de desassossego. Ela, neste exato momento, não se encontrava. Mas, pressentia sua chegada. Mãos, trêmulas, revelavam o quão importante se convertia a moça para a sua vida esquecida. Ao adentrar 122