LiteraLivre nº 3
Uma Quase Balzaquiana
Simone Lacerda
Cachoeiro de Itapemirim/ES
Ele adorava suas pernas. Quando se levantava, revelava o tecido
epitelial com comedidos músculos, mas sedoso e sedutor, diria. Suas
pernas se entrelaçavam, poeticamente, não negando o olhar. E nessas
idas e vindas, ele fez apostas, compôs versos e até ensaiou um diálogo.
Mas, não seria tanto. Seus passos traziam um empoderamento,
uma inconstância que atraía os mais e menos audaciosos. Sua
vestimenta cobria o joelho e isso convertia mais seus olhos,
embasbacados diante do cenário não visto.
De um lado para o outro, de desencontros, lá estava a moça que
lhe arrancou os olhos e, acredito, o coração do solitário homem. Deveria
ter uns cinquenta anos. Era o que mostrava as linhas expressas em seu
rosto, a cor dos cabelos, o jeito de abotoar a camisa e olhar os
transeuntes. Não mais que cinquenta, talvez um pouco menos. E a
moça, pelas passadas e pelas curvas adquiridas, não menos que vinte e
oito. Isso. Uma quase balzaquiana atravessando o cenário.
Ele a visitava todos os dias, mesmo sem uma palavra. Um bom
dia que seja para disfarçar. Ou quem sabe, “ o dia anda rápido”, “ está
tão quente aqui.” Nada. Era fervilhante olhar aqueles contornos
cantados nos passos. Achava bonito de vê, dava para perceber o olhar
colado no andar.
Tenho a impressão que não se passava um dia que ele não
estivesse lá. Mesmo que rápido, já que o dia nos consome em tantas
questões. Ele se fazia presente, como parte do cenário, para contemplar
o que sabia ser a sua musa, não pensada pelos deuses.
Com o tempo, ela passou o olhar, como se os seus olhos
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