Revista LiteraLivre 3ª edição | Page 127

LiteraLivre nº 3 Uma Quase Balzaquiana Simone Lacerda Cachoeiro de Itapemirim/ES Ele adorava suas pernas. Quando se levantava, revelava o tecido epitelial com comedidos músculos, mas sedoso e sedutor, diria. Suas pernas se entrelaçavam, poeticamente, não negando o olhar. E nessas idas e vindas, ele fez apostas, compôs versos e até ensaiou um diálogo. Mas, não seria tanto. Seus passos traziam um empoderamento, uma inconstância que atraía os mais e menos audaciosos. Sua vestimenta cobria o joelho e isso convertia mais seus olhos, embasbacados diante do cenário não visto. De um lado para o outro, de desencontros, lá estava a moça que lhe arrancou os olhos e, acredito, o coração do solitário homem. Deveria ter uns cinquenta anos. Era o que mostrava as linhas expressas em seu rosto, a cor dos cabelos, o jeito de abotoar a camisa e olhar os transeuntes. Não mais que cinquenta, talvez um pouco menos. E a moça, pelas passadas e pelas curvas adquiridas, não menos que vinte e oito. Isso. Uma quase balzaquiana atravessando o cenário. Ele a visitava todos os dias, mesmo sem uma palavra. Um bom dia que seja para disfarçar. Ou quem sabe, “ o dia anda rápido”, “ está tão quente aqui.” Nada. Era fervilhante olhar aqueles contornos cantados nos passos. Achava bonito de vê, dava para perceber o olhar colado no andar. Tenho a impressão que não se passava um dia que ele não estivesse lá. Mesmo que rápido, já que o dia nos consome em tantas questões. Ele se fazia presente, como parte do cenário, para contemplar o que sabia ser a sua musa, não pensada pelos deuses. Com o tempo, ela passou o olhar, como se os seus olhos 121