Revista de Medicina Desportiva Informa Setembro 2017 | Page 8

considera-se que têm na sua génese uma “tríade” fatorial: desidratação, desequilíbrio eletrolítico e fadiga neuromuscular. 4,5,8,9 As duas pri- meiras teorias são as mais antigas e surgiram da necessidade de explicar a ocorrência de CMAE em indiví- duos que trabalhavam sob elevadas temperaturas, como os mineiros. O aumento da temperatura corporal, acompanhado pela sudorese exces- siva, leva a uma contínua contração do compartimento de fluido extrace- lular, aumentando assim a pressão mecânica nos terminais nervosos e a concentração de neuroquímicos excitatórios no interstício, pro- vocando cãibras. 8,10,11 Contudo, a desidratação, por si só, não é sufi- ciente para causar CMAE, surgindo a associação a uma das teorias mais comummente difundidas pela comunidade científica: a depleção eletrolítica. Segundo esta teoria, na origem das CMAE está a diminuição da concentração sérica de eletró- litos, como o magnésio, potássio, sódio e cloro. 7,9 Com o desenvolvi- mento do trabalho científico neste campo, depressa se percebeu que não existiam diferenças entre as concentrações séricas da maioria dos eletrólitos no final do exercício comparativamente ao início, entre os grupos de atletas que sentiram CMAE durante o exercício e os grupos controlo que não sentiram qualquer cãibra. 7,9 Vários resultados levaram à conclusão de que apenas o sódio e, mais tarde, também o potássio, estariam de facto envolvi- dos na fisiopatologia das CMAE. 8,10 Ainda em busca do pleno escla- recimento quanto à etiologia desta problemática, surge mais tarde uma nova hipótese, a qual sugere que as alterações no controlo neuromuscu- lar a nível da medula espinhal, resul- tantes da fadiga muscular, podem ser o principal fator associado ao desenvolvimento de CMAE. 8,10,11 Ao contrário das anteriores, esta teoria associa-se às características e condições do exercício rea li- zado e à condição física do atleta. Em concordância, 6 Setembro 2017 www.revdesportiva.pt um estudo realizado por Schwellnus et al 12 comparou as concentrações séricas de eletrólitos e o peso corpo- ral de 210 triatletas a competirem no triatlo Ironman, antes e depois da competição, e com distinção entre os 43 atletas que relataram CMAE no momento da prova e os restantes que não relataram. Os resultados, que demonstraram não existirem diferenças significativas entre estes dois momentos e entre os dois grupos de atletas, adicionam força à evidência de que a desidratação e o balanço de eletrólito sérico alterado não são causas de CMAE. 12 Em vez disso, estão em risco de sofrer CMAE atletas de resistência que compitam a um ritmo acelerado, realizando um trabalho muscular muito intenso. 12 As evidências científicas que fundamentam as teorias da desi- dratação e a depleção de eletrólitos surgem comummente de observa- ções clínicas infundadas e que não oferecem mecanismos fisiopato- lógicos plausíveis. 4 Por sua vez, as evidências científicas na base da hipótese de fadiga neuromuscular baseiam-se em estudos realizados em modelos humanos de cãibras musculares, estudos epidemiológi- cos em atletas com cãibras e dados experimentais em animais, tendo por isso maior validade científica. Embora seja claro que mais evidên- cias serão necessárias para apoiar esta teoria, os dados das pesquisas mais atuais apresentam-na como o principal mecanismo fisiopatológico para a etiologia das CMAE. 4,8,10,11 Prevenção e tratamento Por se tratar de uma condição dolorosa e temporariamente incapa- citante para o atleta, tanto a preven- ção como o tratamento se revelam de extrema importância. 13 O maior esclarecimento quanto às causas das CMAE permitirá à comunidade médica e científica a elaboração de recomendações mais específicas e efetivas. 13 Até lá, é crucial ter em consideração que uma prevenção eficaz das CMAE passa, inevita- velmente, pelo controlo dos seus fatores de risco. 11 As CMAE surgem, habitualmente, nos grupos musculares mais recru- tados durante o exercício, por sobrecarga ou cansaço extremo. 14 Assim, como medida preventiva, é determinante que seja feito um condicionamento físico adequado do atleta antes de provas ou treinos mais intensos, e que a introdução de novos exercícios ou modifica- ções mecânicas seja gradual. 5,7,14 Ajustes à configuração e seleção do equipamento (por exemplo, assento de bicicleta, posição do punho, calçado), biomecânica e técnicas de relaxamento também podem ajudar a evitar ou atrasar CMAE. 14 A manutenção de um correto estado de hidratação e equilíbrio de sódio sérico é outra das estratégias com- provadas para evitar cãibras durante o exercício. 5,14 Idealmente, as perdas de sódio e água pela transpiração devem ser suficientemente compen- sadas durante a atividade para evi- tar défices mensuráveis​. 5 Em casos específicos, como atletas com uma sudorese mais intensa (por exemplo, superior 2,5L e 2500mg de Na + por hora) ou um aporte sódico inferior ao habitual na sua ingestão diária, a ingestão das bebidas energéticas comerciais ou o aporte sódico obtido pelas refeições não é suficiente. 14 Deve ser calculado individualmente o teor de sódio a acrescentar às solu- ções ingeridas, para que a reposição seja o mais completa possível. 14 Atualmente é recomendada a adição de 0,3 a 0,7 g/L de sal às bebidas ingeridas pelos atletas de forma a prevenir CMAE, podendo esta recomendação subir até às 6 g/L nos atletas de elevado risco. 10,11 Ao primeiro sinal de CMAE, o atleta deve alongar passivamente o grupo muscular afetado 6,7,9,14 e tomar de imediato uma solução com alto teor de sal (por exemplo, 0,5L de uma bebida energética, com 3,0gr de sal adicionado, consumido de uma só vez ou ao longo de 5-10 minutos), uma vez que tem comprovada eficá- cia no alívio destas cãibras e impede