Revista de Medicina Desportiva Informa Maio 2017 | Page 6

Rev . Medicina Desportiva informa , 2017 , 8 ( 3 ), p . 2

Entrevista

Dr . Gonçalo Morais Sarmento
Presidente da Comissão Médica da Federação Portuguesa de Motociclismo Boureau Member da Comissão Médica da Federação Internacional de Motociclismo
Como começou esta função médica ?
Depois de ter iniciado a minha colaboração na Fórmula 1 em 1984 a propósito do primeiro GP de F1 de Portugal , realizado no Estoril ( uma vez que fazia parte dos quadros da Escola de Socorrismo da Cruz Vermelha Portuguesa , que se lançava no desafio da criação do atual INEM ), fui desafiado para reforçar a Comissão Médica da Federação de Motociclismo de Portugal , recém- -fundada em 1990 . Posteriormente , fui convidado pela Federação Internacional ( FIM ) a candidatar- -me , tendo sido eleito na Assembleia Geral realizada na Suécia há cerca de 21 anos . Desde então tenho exercido funções como bureau e expert member da Comissão Médica da FIM e como médico chefe em Moto GP , Motocross , Enduro , Rallie Raid , Trial , entre outras , e inspetor delegado em provas do Campeonato Europeu e Mundial .
Quais são as particularidades do exame médico para a aptidão neste tipo de desporto ?
O motociclismo é obviamente um desporto com risco , sendo que a maioria das suas disciplinas são coletivas , havendo raras exceções ( como o Trial ), que se praticam individualmente . Assim , o exame de aptidão médica tem de ser rigoroso , uma vez que a inaptidão ou incapacidade de um pode pôr em risco , quer a integridade física , quer a vida de outros- -pilotos , comissários e público – não esquecendo ainda as responsabilidades civis e legais que daí possam advir a quem autorizou indevidamente uma licença desportiva .
De um modo geral quais são os preparativos / dispositivos médicos para uma prova de motociclismo ?
Cada prova / disciplina de motociclismo tem as suas especificidades , que por vezes são muito díspares entre elas . Mas , de uma forma geral , cada prova do campeonato do Mundo exige um início de organização e de preparativos com três a quatro meses de antecedência . Se tomarmos como exemplo o Moto GP , diria que se exige uma pré-inspeção médica internacional , onde se aprova ( ou não ) o plano de assistência médica , no qual constam em regra cerca de 100 pessoas ( médicos , enfermeiros , técnicos de emergência , socorristas , técnicos de Rx , motoristas , etc .) e a sua distribuição no terreno , o Centro Médico e todo o seu equipamento , o helicóptero e o seu material , o plano de evacuação , que conta com cerca de 14 ambulâncias medicalizadas , a harmonização e protocolos de evacuação com os respetivos hospitais das áreas de intervenção e a execução de exercícios / simulacros de intervenção médica .
As quedas são inevitáveis , por vezes de grande impacto , mas quase sempre os pilotos saem ilesos , porquê ?
Sim , as quedas são expectáveis e frequentes . Posso mesmo adiantar que durante um campeonato ( anual ), e abrangendo as três classes , rondam as 1000 , entre treinos e corridas , mas , curiosamente , apenas 19 % necessitaram de intervenção médica , quer na pista , quer no Centro Médico do circuito ou no Hospital . Porquê ? Penso que por termos trabalhado muito , e aparentemente bem , nos últimos anos na prevenção : no layout do traçado das pistas , nas escapatórias , nas tintas usadas na pista , na colaboração com a indústria nos equipamentos de proteção ( fatos , airbags , luvas , capacetes , botas , etc .) e também no tipo de intervenção médica altamente especializada e rápida .
… mas de vez em quando há uns ossos partidos ….
As lesões mais frequentes no motociclismo são as do membro superior , com 62 % do total , das quais se destacam a fraturas da clavícula , as lesões acromioclaviculares , as fraturas proximais do úmero e as fraturas dos metacarpianos e das falanges da mão , com múltiplos esfacelos . As do membro inferior representam 31 %, com especial enfoque para as fraturas da tíbia , tibiotársica e pé . As lesões da coluna e traumatismos cranianos geram 6 % das lesões .
E a concussão cerebral é frequente ? Como atua nessas alturas ?
Nesse âmbito a concussão cerebral é um assunto de atual e particular importância , estando em cima da mesa dos trabalhos de múltiplas reuniões e fórums . Após o consenso de Zurique de 2012 , adotámos e adaptámos o SCAT-3 para o motociclismo , á semelhança do futebol americano e do râguebi , mas não temos ainda evidência científica sobre as regras para a retoma desportiva , uma vez que os nossos eventos são em regra de três dias . Estamos ainda a avaliar a possibilidade de adaptar um dispositivo para ser colocado no capacete , para avaliação de impacto / forças G , mas tem colocado problemas na confeção , uma vez que altera a difusão das forças , violando assim a própria resistência dos capacetes ( não nos esqueçamos do recente caso do Michael Schumacher ). Mas neste aspeto a indústria está extremamente motivada para trabalhar connosco e junto da nossa Academia FIM e do nosso Laboratório , localizados em em Jerez , e com a parceria entre a FIA e a Fórmula 1 penso que saírão resultados em breve .
2 Maio 2017 www . revdesportiva . pt