Revista de Medicina Desportiva Informa Maio 2017 | Page 14

Prof. Doutor José Carlos Noronha Ortopedista. Gestifute. Ordem da Trindade – Porto O que é um ciclope? O ciclope é uma formação nodular que pode aparecer na inserção distal do neoLCA alguns meses após a reconstru- ção ligamentar. São apontadas várias causas para o aparecimento do ciclope. A mais consensual é que se deve a restos de osso do túnel tibial a partir do qual se forma o nódulo. Outra teoria defende não se dever a restos ósseos, mas sim ao conflito do neoli- gamento com o teto da chanfradura intercondiliana que vai arrastando distalmente a sinovial que recobre o neoligamento. A favor desta teoria está o facto de quase sempre ser necessária a abertura da chanfra- dura intercondiliana. Que outras entidades podem causar também estas consequências? A presença de nódulo intra-articular de aspeto varicoso pode ser outra causa de défice de extensão, embora a causa mais frequente de tal défice seja o conflito do neoligamento com o teto da chanfradura intercondi- liana, quase sempre por inserção tibial muito anterior. É compatível com a prática desportiva? A descrição do ciclope é já antiga. Numa publicação de 1995 1 , cinco doentes operados ao LCA, realizaram uma RMN antes da subsequente artroscopia para resolver a perda de extensão pós-operatória. As imagens de RMN nestes doentes revelaram tecido anormal, consistente com tecido fibroso, localizado na chanfra- dura intercondiliana (ChI) anterior- mente ao LCA reconstruído, classifi- cado como grau 2 e 3, de acordo com a extensão ao longo do côndilo femo- ral. Os autores concluíram, na altura com algumas reservas, que no doente com queixas a RMN poderia ser útil na confirmação do diagnóstico. Também no século passado, em 1999, Patrick J. McMahon et al 2 , da Universi- dade da Califórnia, referiam a existên- cia de quatro doentes com diminuição das amplitudes articulares (AAs) após a reconstrução do LCA, os quais haviam sido submetidos a “reabili- tação agressiva” no mínimo durante dois meses para ganho das AAs totais. A artroscopia revelou a existência de uma lesão na ChI perto da inserção do LCA que atuava como uma obstrução mecânica à extensão total do joelho. O desbridamento e a manipulação sob anestesia geral resolveram o pro- blema. A equipa de M. Fujii 3 estudou a incidência de lesões de ciclope e a relação com a área transversal da ChI, tendo concluído que o seu tamanho inferior pode ser um fator de risco para a formação do ciclope. O ciclope invertido indica que a fibrose se ori- gina no lado femoral do LCA e poderá não dar bloqueio, mas apenas dores. 4 Dr. Basil Ribeiro Quais as consequências para a dinâmica do joelho? O ciclope é, frequentemente, um achado de imagem, que não dá sintomatologia. Só é sintomático quando atinge dimensões apreciá- veis e se interpõe na extensão entre a tíbia e o fémur. Se a extensão do joelho for total e indolor não se justifica a cirurgia. Deve ter-se em atenção o local da dor aquando da extensão total forçada: se for na face posterior do joelho dever-se-á a retração das estruturas posteriores e a cirurgia não se justifica, contra- riamente se a localização da dor for referida à face anterior. 12 Maio 2017 www.revdesportiva.pt O ciclope, desde que não cause défice de extensão apreciável ou derrames a ele atribuídos, é compa- tível com atividade desportiva sem limitações. A fisioterapia pode resolver esta complicação? O tratamento fisiátrico pode colabo- rar na recuperação de défices cau- sados pelo ciclope, ao comprimi-lo na extensão e como que causando o seu esmagamento ou expulsão da zona de conflito femorotibial. Mas, atenção, pois o défice de extensão quase sempre se dev e a conflito do neoligamento. Bibliografia 1. Recht, M. P. et al. Localized anterior arthrofi- brosis (cyclops lesion) after reconstruction of the anterior cruciate ligament: MR imaging findings. American Journal of Roentgeno- logy. 1995;165:383-385. 2. McMahon, P. J. et al. The cyclops lesion: a cause of diminished knee extension after rupture of the anterior cruciate ligament. Arthroscopy: The Journal of Arthroscopic and Related Surgery, 199; 15(7): 757–761. 3. Fujii, M. et al. Intercondylar notch size influences cyclops formation after ante- rior cruciate ligament reconstruction. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2015;23(4):1092-9. 4. Pyrko, P. et al. Inverted Cyclops Lesion without Extension Block: A Case Report and Literature Review. Bull Hosp Jt Dis. 2015;73(1):61-4. Deformidades da Coluna Vertebral – Parte 1/2 Dr. Diogo Moura 1 , Dr. Marcel Sincari 2 , Prof. Doutor J. Goyri-O’Neill 3 , Prof. Doutor Fernando Fonseca 4 Médico interno complementar de Ortopedia e Traumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra; Monitor de Anatomia da NOVA Medical School/FCM, UNL; 2 Especialista em Neurocirurgia; 3 Professor Catedrático Diretor do Departamento de Anatomia da NOVA Medical School/FCM, UNL; 4 Diretor do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. 1 RESUMO / ABSTRACT As curvaturas fisiólogicas da coluna normal são transitórias e reversíveis, no entanto, quando estas se tornam persistentes passam a constituir deformidades, as quais podem ser classificadas como funcionais ou estruturais. A escoliose, a hipercifose e a hiperlordose são as deformidades mais frequentes da coluna vertebral e surgem tipicamente na infân- cia e na adolescência. O grau e progressão da curva de deformidade bem como a idade fisiológica do paciente são fatores essenciais na escolha do tipo de tratamento a realizar. Esta primeira parte do artigo consiste numa revisão da definição, anatomia, embriologia, biomecânica, sintomatologia, diagnóstico e tratamento das deformidades estruturais da coluna vertebral. Abstract Normal spine physiological curves are transitory and reversible, however when these became permanent they turn into deformities, which can be classified as functional or structural. Scoliosis, hyperkyphosis and hyperlordosis are the most frequent spine deformities and they typically appear during childhood and adolescence. The degree and progression of the deformity curve, as well as the physiological patient age, are essential factors for the choice of the type of treatment to perform. This first part of the paper is a review of the definition, anatomy, embryology, biomechanics, symptoma- tology, diagnosis and treatment of structural spine deformities. PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS Deformidade, coluna vertebral, desporto, escoliose, cifose, crianças, carga. Deformity, vertebral column, spine, sports, scoliosis, kyphosis, children, load. Anatomia, embriologia e biomecânica da coluna vertebral A característica que define os animais vertebrados (derivado do latim vertebratus, “com vértebra”) é a coluna vertebral, uma estrutura óssea segmentada que constitui parte do esqueleto axial. A sobre- posição das 33 vértebras permite constituir um canal ósseo, o canal medular, que vai rodear e proteger a medula espinhal, parte essencial do sistema nervoso central, cujas fun- ções integram os componentes do movimento e função do organismo. 1 A coluna vertebral tem origem nos somitos, corpos de mesoderme paraxial que surgem pela 3ª semana de gestação de cada lado do tubo neural e que se diferenciam em mió- tomos (migram e diferenciam-se nos músculos do dorso, parede abdomi- nal, membros e língua), dermátomos (migram e diferenciam-se na derme do dorso) e esclerótomos (migram e diferenciam-se nas vértebras e costelas). 2,3 Cada vértebra origina-se a partir de três centros de ossificação: um central que vai constituir o corpo vertebral e dois arcos neuronais que vão formar os pedículos vertebrais. 4 O centro de ossificação do corpo vertebral expande-se e passa de redondo a retangular, passando a dividir uma placa de crescimento (ou fise) superior e outra inferior, a partir das quais se dá o crescimento longitudinal e circunferencial por uma combinação de ossificação endocondral e crescimento aposi- cional. 4,5 O ortostatismo e a marcha bípede surgiram como uma vantagem evolutiva e condicionaram várias adaptações morfológicas no corpo humano, muitas delas filogeni- camente ainda muito recentes e imperfeitas. Além das evidentes adaptações do esqueleto apendi- cular, a coluna vertebral deixou de ser apenas uma ligação em ponte entre as cinturas escapular e pélvica (cifose dorsolombar única) nos quadrúpedes e passou a constituir o suporte vertical do corpo. A necessidade de obter equilíbrio em relação ao eixo corporal não coincidente com a coluna vertebral é responsável pelas suas curvaturas fisiológicas na espécie humana. A coluna do feto tem uma curvatura cifótica única devido à sua posição dentro do útero. A lordose cervi- cal surge quando o bebé começa a controlar a cabeça, a cifose torácica quando adquire a posição de sen- tado e a lordose lombar quando a criança começa a marcha bípede. 6-9 A sua anatomia segmentada per- mite que a coluna vertebral fun- cione como uma articulação e que ao longo do dia apresente várias curvaturas de acordo com a posição solicitada. Na coluna normal, estas curvaturas são transitórias e reversí- veis, no entanto, quando são persis- tentes passam a constituir deformi- dades, que se dividem em funcionais ou estruturais 1 . As deformidades funcionais ou não estruturais são as mais frequentes e são flexíveis, corrigindo-se após movimentos con- trários. Por sua vez, as deformidades estruturais são alterações morfológi- cas ósseas (acunhamento dos corpos vertebrais) rígidas (não passíveis de correção com movimentos), sendo estas as que serão abordadas ao longo deste artigo. 1,10 3 as JORNADAS DE MEDICINA DESPORTIVA DO RIO AVE FC A Ligamentoplastia do LCA e o Ciclope Quais as causas para o seu desenvolvimento? Rev. Medicina Desportiva informa, 2017, 8(3), pp. 13–15 O ciclope após cirurgia do LCA: uma complicação antiga Rev. Medicina Desportiva informa, 2017, 8(3), p. 12 Hospitais Sr. do Bonfim Vila do Conde Temas:  Coluna · Joelho · Tornozelo · Tendinopatias 5 sessões práticas Patrocínios científicos: SPMD, SPOT, SPAT Inscrição: 40€ (até 19/5); 50€ (inclui coffee-breaks e almoço) Mais informações: www.rioavefc.pt Revista de Medicina Desportiva informa Maio 2017 · 13