Revista ABREVIS Ed. 117 | Page 6

ABREVIS em revista DIREITO DO TRABALHO DO INIMIGO Por Percival Maricato Há três décadas se discute entre juristas por todo o Planeta o chamado Direito Penal do inimigo (Feindstrafrecht, na língua alemã, país de origem da teoria). Em resumo, a teoria prescreve que deve haver dois direitos: um para o cidadão que erra e então deve ser tratado com mais tolerância, com direito de defesa e outras prerrogativas do Estado Democrático de Direito; e outro para os criminosos de alta periculosidade, que agem cruel e dolosamente contra a sociedade. A teoria se assenta em três pilares: antecipação da punição; desproporcionalidade das penas e relativização e/ou supressão de certas garantias processuais; e criação de leis severas direcionadas a terroristas, delinquentes organizados, traficantes, crimes contra a economia e outras infringências. Para seus defensores, o Estado atual não tem como se defender desses inimigos com os instrumentos clássicos do Direito, devendo então fazer uso de outra engenharia de controle social. Para os críticos, o toque fúnebre do mesmo Estado de Direito, a volta a realidades já superadas durante fases do processo civilizatório em que o império da lei era muito frágil. Para os defensores do Direito Penal do Inimigo, que também é aplicado no Direito Administrativo em muitos países de governos autoritários, uma suspeita qualquer basta para a Polícia ou o Ministério Público ou mesmo o Judiciário agirem com rigor e punir preventivamente. Preveem-se penalidades violentas para os “inimigos”, inclusive empresas, que têm sua existência ameaçada. Quanto ao ABREVIS em revista |6| Edição 117 • 2014 empresário, a liberdade é que pode ser suprimida. (Bem pensada) Refletindo profundamente, observamos que essa teoria vem sendo usada pela Justiça do Trabalho contra empresas e empresários. As punições já existem a priori e ultrapassam até mesmo o pleito do reclamante (vide juízes que condenam em dano social, assédio processual e outras figuras jurídicas não previstas ou de uso não regulamentado em lei) e garantias processuais e o direito de defesa são suprimidos - tudo em nome da proteção a dignidade do trabalhador ou da Justiça ou algum valor semelhante, geralmente abordado genericamente. Como ninguém pode ser contra a dignidade de um trabalhador (deveria valer também para o empreendedor), tudo é possível. O culpado, a empresa, é definido pela maioria dos juízes a priori, com o recebimento da inicial, a partir da qual se trata apenas de seguir uma rotina processual para avaliar qual será o fundamento para a condenação e para aferir seu valor. De fato, como comprova o conteúdo das decisões, estimula-se uma cultura de litígio, de conflito de interesses entre a atividade empresarial contra o dos trabalhadores e da Justiça do Trabalho; a empresa é culpada até que prove o contrário e a prova é sempre recebida com desconfiança e muitas vezes sequer se admite sua produção. Para esses juízes, a realidade é toda preta e branca, existe o bom e o mau, o maniqueísmo vigora. Em muitos casos já se sabe qual será a condenação a partir da distribuição da reclamação. Dependendo do juiz ao qual for distribuída a ação, a empresa já sabe quais serão as condenações. Por exemplo, empresas de prestação de serviços, cujas reclamações chegarem a determinados juízes, já sabem de antemão que serão condenadas sejam quais forem as formas de rescisão do vínculo - por demissão indireta, dano social, assédio processual, 20% de honorários de advogado e outras. Quem mais perde é o Estado Democrático de Direito, o conceito de Justiça. Materialmente, perdem ainda empresários, trabalhadores, o consumidor (o brasileiro, em especial o trabalhador), o fisco, a produção de bens e serviços, o país (menos PIB, tributos, competitividade), a sociedade enfim. A aplicação do Direito do Inimigo pela Justiça do Trabalho contra empresas precisa ser enfrentada, tarefa para a qual devem ser convocados inclusive os que demonstram preocupação com distribuição de renda, qualidade de vida, melhores remunerações e extinção dos bolsões de miséria no país. Nada disso é possível sem desenvolvimento econômico. Não há desenvolvimento sem empreendedorismo, produtividade, competitividade, segurança jurídica. Percival Maricato é Presidente da ABRASEL, Sócio da Maricato Advogados Associados; vicepresidente Jurídico da Cebrasse, e autor do livro Como Evitar Reclamações Trabalhistas e outros publicados pelo SENAC