Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2015 | Page 98
RELATÓRIO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ | 2015 | 97
ro: temos horror à igualdade. A conta será repartida com a mesma desigualdade com
a qual temos convivido. De tudo ficará o medo. Onipresente. Depois disso acontecerá
como nos versos de Carlos Drummond de Andrade: “morreremos [todos] de medo e
sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas”.14
14. ANDRADE, Carlos Drummond.
Congresso internacional do
medo. In: Sentimento do mundo.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1979, p.125.
15. Oficialmente, o Complexo
do Alemão é formado por 13
4.4. NO COMPLEXO DO ALEMÃO,
QUEM VAI À ESCOLA É A PACIFICAÇÃO
Segundo levantamento feito pelo Instituto Raízes em Movimento, somente em 2014,
22 pessoas foram mortas no Complexo do Alemão15. Desse total, três eram policiais e
19 eram civis. Outras 58 pessoas foram feridas por armas de fogo, sendo 36 policiais e
22 moradores. Os dados expõem uma realidade diferente do discurso oficial do governo estadual sobre um espaço ocupado com bases de Unidades de Polícia Pacificadora
(UPP). A sensação de segurança na região não é de paz e sim de um contínuo conflito
armado, o que levou moradores a se manifestarem em redes sociais na internet com a
hastag #SOSComplexodoAlemão. O Complexo do Alemão16 está há cinco anos pacificado com quatro bases de UPP.
Uma das quatro bases das UPPs, a localizada na favela Nova Brasília, foi instalada
no terreno da escola estadual Caic Theóphilo de Souza Pinto , a 20 metros do edifício
principal. Os dois prédios, o militar e o educativo, estão cravados de tiros de fuzil. A
rotina dos estudantes inclui passar todos os dias diante dos policiais armados para
entrar e sair das salas de aula. No dia 22 de abril de 2015, Marcelo Freixo e membros
17
das comissões de Direitos Humanos e Educação da Alerj visitou o espaço educacional.
Antes de a UPP existir na área do colégio, a escola tinha cerca de 1.400 alunos. Hoje,
são apenas 700. Além da evasão escolar, a presença ostensiva policial provoca prejuízos pedagógicos que comprometem o processo de aprendizado e põem em risco a
segurança de estudantes, funcionários e professores.
Em novembro de 2014, o jornal O Dia publicou denúncia sobre o aumento da violência na região e a situação de vulnerabilidade que se encontravam o corpo docente e
discente do colégio: "O muro do colégio serviu de escudo e, indignados, funcionários,
que estavam dentro do prédio do colégio, fotografaram a ação. Pais de alunos, estudantes e professores dizem ser comum PMs usarem a parte interna do colégio para
trocar tiros com quadrilhas. Afinal, a própria sede da UPP fica dentro do terreno da
escola, conforme admitiu, em nota, a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc)"18.
Um aluno chegou a ficar na linha de tiro. Na imagem publicada pelo jornal, um policial aparece apontando a arma apoiado no muro da escola, a menos de quatro metros
de uma sala de aula.
A parede da sala da diretoria, por exemplo, é coberta com enfeites que servem para
cobrir os buracos abertos pelos tiros de diferentes calibres. É ali que a diretora Tânia
Mara trabalha todos os dias. Também é possível ver as marcas de tiros na parede principal e laterais do colégio. “A presença de uma base da UPP dentro de uma escola é
absurda. Isso não pode existir. Uma escola não pode ser usada como base policial. É
muito importante que a audiência seja realizada aqui, para que nós possamos discutir
favelas: Morro da Esperança
(conhecida como Pedra do
Sapo), Morro do Alemão,
Morro da Baiana, Morro do
Adeus, Grota (conhecida
como Joaquim Queiroz),
Morro do Itararé (também
conhecida como Alvorada),
Reservatório de Ramos,
Nova Brasília, Fazendinha,
Casinhas, Morro das Palmeiras,
Mineiros e Matinha. A base
para a definição do número
de favelas ocorreu em 2008
entre o poder público e as
associações de moradores para
as intervenções urbanísticas
do Programa de Aceleração
do Crescimento, o PAC das
Comunidades. Ao todo, existem
12 associações de moradores,
porém, uma delas acumula, na
divisão geográfica territorial, a
representação de duas favelas.
16. Atualmente, o Complexo do
Alemão dá nome à 29ª Região
Administrativa (RA) do município
do Rio de Janeiro. As divisões
administrativas da cidade do
Rio de Janeiro se dividem nas
Áreas de Planejamento (AP),
que englobam as Regiões
Administrativas (RA), compostas
por bairros ou apenas um bairro
como é o caso do Complexo do
Alemão, considerado um bairro
desde 1986, ou seja, há mais de
30 anos, por meio de decreto
municipal.
17. O colégio Theóphilo de
Souza Pinto foi criado como
CAIC (Centro de Atendimento
Integral à Criança) na gestão
do Presidente Fernando Collor
(1990-1992). Nos documentos
oficiais, ele é chamado ora
como CIEP, ora como CAIC. A
partir de 1995, o projeto deixou
de ser gerenciado