Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2015 | Page 105
104 | RELATÓRIO DA COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ | 2015
CDDHC: Você percebe no dia a dia mudança no comportamento de Ana por conta dessa violência?
Gilmara: Ela mudou muito. Não é mais a mesma criança. Isso vai ficar marcado o
resto da vida na cabeça dela e na minha. Ela está mais agitada, não é mais calma. Tem
que fazer tratamento psicológico para não cair em depressão. Ela só tem oito anos.
A pessoa que leva um tiro no peito não passa isso sem trauma. Ela tem sonhos e eles
quase destruiriam com os sonhos dela.
CDDHC: O que você espera do Estado?
Gilmara: Só quero que o estado faça alguma coisa. Quero justiça. Porque eles não deram
nenhuma assistência a minha filha até hoje. Não se responsabilizaram por nada: remédio,
médico, tratamento. Não foram responsabilizados. Espero que eles arquem com as consequências do que fizeram. Estou entrando com uma ação contra o Estado, porque eles
têm que tomar providências sobre essa violência. Eles não podem fazer isso, porque quem
mora aqui é gente humana e mesmo que morasse bicho, eles não podiam chegar atirando.
CDDHC: Ana Júlia foi a única criança machucada?
Gilmara: Não teve outras crianças, mas as mães não quiseram dar queixa e ir na delegacia. Deixaram para lá. Como a minha filha foi baleada, eu não deixei barato. É
uma covardia o que aconteceu. Era uma criança querendo chegar em casa, voltando
da escola. O Estado tem que pagar por isso.
CDDHC: Por que as outras mães não fizeram boletim de ocorrência?
Gilmara: Foi por medo. Mãe tem medo. Eu tenho medo também, mas não tenho tanto
assim não, porque minha filha não morreu. Então, eu não posso ter medo. Tenho que
lutar por ela. Nem sei o que seria de mim se ela tivesse morrido. O que é ter um filho
morto? Eu não quero saber.
4.5.3. MÃES DE ACARI: APÓS 25 ANOS,
O MESMO CLAMOR POR JUSTIÇA
A dor da perda de um filho que Gilmara Coutinho nem imagina sentir, há 25 anos faz parte
da realidade sofrida das Mães de Acari. Em 26 de julho de 1990, onze jovens – dos quais
sete eram menores de idade – a maioria moradores da favela de Acari, não voltaram para
casa após irem se divertir com amigos em um sítio localizado em Suruí, no município de
Magé, estado do Rio de Janeiro. Os jovens foram sequestrados por um grupo de seis homens que se identificaram como policiais e que queriam dinheiro e joias. Como o grupo
não possuía dinheiro, foi levado para um local ainda desconhecido. Inicia-se a odisseia
de sete mulheres em busca pelo paradeiro de seus filhos e da luta por justiça, surge o
movimento Mães de Acari, que inspira outros coletivos de mães de vítimas da violência.
Para encontrar os filhos, elas percorreram cemitérios clandestinos, escritórios, instâncias burocráticas, Delegacias de Polícia, presídios; conversaram com juízes, delegados, secretários de segurança, autoridades policiais, ministros. O livro “Mães de
Acari: uma história de luta contra a impunidade”, denuncia que os responsáveis pelos desaparecimentos estariam ligados a um grupo de extermínio conhecido à época