Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 66
um" do estado, que deve ser exterminado
a todo custo.
Com grande influência do pensamento de
Cesare Lombroso, o sistema penal atual,
no que tange à política de drogas, é regido pela discricionariedade do artigo 28
da 11.343/06, onde o juiz julga com parcialidade, aplicando a subjetividade racista,
legitimado por um sistema criminal racista.
Sobre essa questão, destaca-se o pensamento do juiz de execuções penais Luiz
Carlos Valois:
Os promotores gaúchos têm um
costume estranho de anexar as fotos dos acusados em todas as suas
denúncias. Digo estranho porque o
que se deveria julgar é apenas o fato
e não a pessoa, sendo que a figura
daquele cidadão a ser julgado pode
exercer influência desnecessária no
processo. E a história do Direito Penal
tem sido a da tentativa de se afastar
qualquer julgamento sobre a pessoa
do criminoso, qualquer julgamento
que vá além do fato cometido. Ninguém deveria poder ser julgado por
sua história d e vida e muito menos
pelas cicatrizes, defeitos, manchas
ou sinais que essa vida nos deixa. O
Rio Grande do Sul é conhecido pela
predominância de pessoas brancas,
algumas louras de olhos claros, seja
pela imagem exposta pela mídia, seja
por uma simples busca no Google, e
é esta a impressão também quando
chegamos no Fórum ao prestar atenção no entra e sai de advogados. Até
aí tudo bem, pois a nossa colonização
se deu de forma realmente diferenciada, mas ao olhar as fotos juntadas
nos processos pelos promotores tive
um susto: a maioria esmagadora
dos acusados é negra. O racismo
no Brasil sempre foi de intrincada
definição, encoberto por muitos e
dissimulado por grande parte da
população, e eu não precisaria ir à
Porto Alegre para constatar que a
guerra às drogas e o Direito Penal
como um todo tem servido como
forma de Apartheid. Basta que se
entre em qualquer penitenciária brasileira para se perceber o contraste
entre a cor da pele dos encarcerados
e a cor da pele dos que estão nos
shoppings. Contudo, nunca é fácil
comprovar isso com estatísticas. Muitos são fichados, catalogados como
brancos, mas são morenos, mulatos.
Nos processos que pesquisei isso
acontecia também, pois alguns eram
visivelmente negros e constavam da
denúncia como brancos. (VALOIS;
LUIS CARLOS, 2013,
http://www.pco.org.br/nacional/denunciados-por-trafico-de-drogas/azoz,o.html).
No âmbito do judiciário, o art. 28 da Lei
11.343 de 2006 evidencia o direito penal
do autor, pune-se pelo o que se é, e não
pelo fato cometido. O negro é punido porque é negro. A discricionariedade do juiz
em discernir se a substância apreendida é
de usuário ou de traficante, torna-se um
instrumento de racismo.
O sistema assemelha-se ao escravocrata,
pois o traficante é coisificado. É um ser desprovido de personalidade, para estes não
incidem os direitos do cidadão. Responsável
pelo caso do pedreiro Amarildo, - negro,
morador de comunidade carente, vitima da
militarização das favelas, as UPPs, onde se
tornou um dos desaparecidos da democracia - Orlando Zaccone registra a seguinte
informação na busca pela verdade real, na
qual o rótulo de “traficante” tornava legítima o desaparecimento do pedreiro:
No Brasil, o criminoso identificado
como inimigo perde o estatuto da cidadania. Se o Amarildo fosse identificado como traficante, a forma como
morreu passaria a não ter mais importância. (2013, Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br)
Nilo Batista6, em seu discurso proferido na
abertura do XV Congresso Internacional de
Direito Penal, ao referir-se à escravatura negra no Brasil, ressalta a articulação do direito penal público a um direito penal privadodoméstico, implementação de um sistema
penal genocida, cúmplice das agências do
Estado imperial-burocrata no processo de
homicídio, mutilações e tortura de negros.
Ele afirma: “Essas matrizes do extermínio,
da desqualificação jurídica presente no ‘ser
escravo’; da indistinção entre o público e
o privado no exercício do poder penal, se
enraizaram na equação hegemônica brasileira7.” São essas raízes que frutificam na
implementação da ordem burguesa no final
do século XIX, na recepção da doutrina da
segurança nacional, a mesma que, instituída pela Lei 5726, introduzia a obrigação
dos diretores de escola a denunciar os alunos envolvidos com drogas.
6. BATISTA. Nilo. “Fragmentos
de um discurso sedicioso”, in
Discursos Sediciosos – crime,
direito e sociedade, nº 1. Rio de
Janeiro, Relume-Dumará,1996,
p.71.
7. BATISTA. Nilo. “Fragmentos
de um discurso sedicioso”, in
Discursos Sediciosos – crime,
direito e sociedade, nº 1. Rio de
Janeiro, Relume-Dumará,1996,
p.71.
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