Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 65
poder do Brasil está eivada de racismo nos
três poderes. Há uma clara dicotomia no
tratamento do branco e do negro, quando o assunto é justiça criminal. Analisando
as esferas conjuntamente, o resultado é o
assustador genocídio da juventude negra,
denotando uma cultura de extermínio, especializado pela Política Criminal de Drogas.
O Legislativo.
Na primeira análise, observaremos o poder
legislativo. Em relação ao racismo, o histórico legislativo de criminalização da população negra demonstra que o poder de criar
leis funciona como tática de controle social,
ou seja, como instrumento de adequação
social: “O movimento abolicionista funcionou como um grande estandarte dos cidadãos brancos que pretendiam, de maneira
racional e planejada, adequar o negro a um
lugar que não gerasse incomodo à ordem
emergente. (SANTOS, 2006, PP. 120).”
4. CHALHOUB. Sidney. Visões da
liberdade. São Paulo, companhia
de letras, 1990.
5. NEDER. Gislene.
Criminalidade, justiça e mercado
de trabalho no Brasil. São Paulo,
Edusp, 1986 p.5.
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A articulação para exclusão funcionava ou
com criminalização ou com proibição da
população negra, atuando em todas as esferas da vida. O Código Penal da República
dos Estados Unidos do Brasil (Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890), nos
artigos 402 e 403, criminalizava a capoeira,
já a lei 601, de 18 de setembro de 1850,
com receio de que a abolição da escravatura permitisse que os escravos adquirissem
terras, organizava a propriedade privada,
proibindo o acesso de negros a terra, bem
como os homens negros após a abolição
eram proibidos de trabalhar, somente mulheres negras trabalhando como quituteiras ou babás de leite. Hoje, o cenário não
é diferente, a criminalização opera com a
mesma força de antes, o que antes era a
capoeira, nos termos de cultura negra, é
agora o baile funk proibido de ser ouvido
nas ruas de São Paulo ou nas comunidades
militarizadas do Rio de Janeiro. O culto aos
orixás da religião africana que não podia ser
prestado na senzala se traduz hoje na decisão do juiz do Tribunal Regional Federal de
que Candomblé e Umbanda não são religiões e sim seitas, portanto, poderiam sofre
situações vexatórias de intolerância religiosa
em redes sociais. Adriana Facina diz em seu
artigo “Quem tem medo do proibidão?”:
“Toda proibição tem uma história. Não
existem condutas naturalmente proibidas,
pois a proibição depende de regras e convenções sociais que não são atemporais e
nem mesmo universais. Assim, coisas que
não são proibidas em numa época ou numa
sociedade específicas, não o são em outras.
O que é considerado transgressão, ou mes-
mo crime, muda de acordo com o tempo e
com os valores culturais que predominam
no momento.”
O Executivo.
O executivo, como o próprio nome sugere,
é o braço executor da vontade do Estado.
No cenário do racismo institucional, a força policial, sempre foi usada para imposição da “ordem”, do controle social, através
do encarceramento, genocídio indireto, ou
da execução sumária, extermínio direto. Na
atuação do executivo, vale lembrar a famosa lei da vadiagem, prevista no capítulo IV
art. 295 da lei de contravenções penais, que
autorizava a prisão e legitimava a execução
sumária dos negros encontrados em situação de vadiagem e mendigagem, posto
que a lei e os costumes proibiam a contratação de homens negros e o acesso a terras.
Interessante é o nascimento do termo “atividade suspeita”, o apelido da seletividade
na abordagem policial em critérios racistas
e classistas. Sidney Chalhoub4 chamou de
“estratégia generalizada”, utilizada para
controle das populações negras recém-libertas no final do século XIX. Hoje essa estratégia continua entranhada na cultura e
nos procedimentos policiais como forma de
manter sob controle os deslocamentos e a
circulação pela cidade de segmentos sociais
bem delimitados.
O olhar seletivo gera um peso racista nas
ações dos agentes da lei. A criminóloga
Gizlene Neder5 diz: “O dilema na formatação da família brasileira “criava um constrangimento”: como incluir ex-escravos?
Toda estrutura agregadora da mãe negra
era ignorada”. Conjugando Chalhoub e Gizlene, entendemos que o “medo branco”
cumulado a constrangimento da inclusão,
tornava os agentes inclinados a um racismo
institucional, cujo resultado se estende até
hoje em forma de extermínio. O olhar seletivo preenche os cárceres, dispara revólveres,
nega emprego, saúde e educação. O olhar
seletivo nega cidadania!
O Judiciário
No âmbito judicial, ocorre o “Direito Penal
do Negro”, quando o julgador, operando
conforme o imaginário social do racismo
estruturado, tem ou reproduz uma subjetividade racista, ou seja, condena o agente com base na cor da sua pele. A política
criminal de drogas trouxe grandes prejuízos
para a sociedade brasileira, criou o caos no
sistema carcerário e especializou o racismo,
criando a imagem do inimigo "número