Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 64

também fez parte de nossa agenda política e social. Pode-se dizer que essa tese se constituiu como pensamento dominante na elite que comandava o Brasil e assim permaneceu até a construção do “mito da democracia racial”. A tese do branqueamento era a crença na qual a partir da mistura entre brancos e negros, a raça branca (como sendo uma raça superior) predominaria sobre a negra (inferior) e haveria um melhoramento genético. O segundo é a técnica brasileira de invisibilizar e desconversar problemas, negando a existência de um desequilíbrio étnico-racial na sociedade brasileira. Para a classe dominante não existe uma questão negra no Brasil, desde 1988. Sobre este pensamento aduz o jurista Jorge da Silva:3 É uma posição cômoda, pois não são seus filhos que não terão acesso à educação; não são eles que terão as suas famílias desestruturadas; que serão obrigadas a ocupar as posições mais baixas na escala social, e que se constituirão em horas de despos­ suídos. (DA SILVA, 2008, p. 24). Racismo é relação de poder de uma “raça” sobre outra, um simples olhar no campo de manifestação do poder desconstrói de plano a negação do problema ou a afirmação de igualdade, demonstrando que embora abolida a escravidão, sofremos na sociedade brasileira a extensão dos efeitos dela, onde o racismo se manifesta de diversas formas, principalmente o racismo institucional. O racismo institucional O maior desafio da efetividade constitucional no que tange aos Direitos Humanos no Brasil é discutir a hegemonia racial brasileira e sua dinâmica de poder, principalmente quando a questão envolve a justiça criminal e seus agentes. A internalização do racismo nas instituições não é algo novo na sociedade brasileira, para determinação de privilégios era fundamental a utilização de instrumentos públicos, conforme assevera o jurista Jorge da Silva: Já no Segundo Império e início da República havia a crença de que o Brasil estava livre do problema relacionando ao preconceito racial e a solução encontrada para enfrentar essa situação voltou-se para o branqueamento da população através da miscigenação seletiva e política de povoamento e migração europeia. Assim, quanto mais branca fosse a pele da pessoa mais privilégios e poder de ascensão ela teria, em contrapartida qualquer cor que não fosse branca passaria a ser desvalorizada e os que as possuíam pas­aram a s ser considerado os outros. Desta forma, a garantia de ascensão e privilégios está intimamente ligada ao poder instituído, que comanda conforme a subjetividade do grupo representado. Assim, “Racismo é um sistema de opressão e, para haver racismo, deve haver relações de poder.”  (Aamer Rahman, 2013). Em recente visita ao Brasil o Grupo de Trabalho das Nações Unidas (ONU) sobre Afrodescendentes apontou um grande contraste entre a precariedade da situação dos negros e o elevado crescimento econômico do país. Destacou-se que, entre negros e brancos, existem desigualdades de acesso à educação, à justiça, à segurança e a serviços públicos, identificando racismo “nas estruturas de poder, nos meios de comunicação e no setor privado”. Segundo os representantes da ONU, apesar de serem metade da população brasileira, os negros estão “sub-representados e invisíveis”. Desta forma, é evidente que para os oprimidos, resta o controle exercido pelo poder dominante, servindo o sistema de justiça, na ótica do racismo institucional, como o instrumento garantidor de interesses racistas: privilégios. No cenário de militarização da segurança pública para controle social de um grupo determinado, o negro é destinado à frente de guerra. Segundo o relatório anual de desigualdades raciais houve queda de 28% no número de jovens brancos assassinados. Já o número de homicídios contra os jovens pretos e pardos se elevou em 13,5%. O peso relativo aos negros até 24 anos assassinados se elevou de 57,8%, em 2001, para 67,8% em 2007. Através das manchetes de jornais são nítidos os diversos e frequentes confrontos entre policiais e “traficantes”. A política criminal de guerra às drogas expõe jovens negros a constante enfrentamento. A guerra às drogas gera perda dos dois lados. De um lado, o recrutamento da juventude negra pobre através da rentabilidade do mercado com ganhos “fáceis”, do outro, processo seletivo facilitado a policiais negros e pobres, gerando, nos frequentes conflitos motivados pelo proibicionismo, o extermínio em massa do povo negro: etnocídio. 3. Justiça criminal e o genocídio da população negra O sistema de justiça criminal é resultado do trabalho conjunto dos poderes da União. Conforme já analisamos, a estrutura de 3. DA SILVA. Jorge. 120 anos de abolição. Hama. 2008. P.42. 63