Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 47
cimento com o nome de Teresa, então tirei
carteira de identidade, título de eleitor, passaporte e iniciei militância na clandestinidade. A nossa casa funcionava como aparelho do PCB e, se desse problema no comitê
central na Lapa, onde ocorreu a chacina de
1976, todos deveriam ir para a minha casa.
Eu atuei no Comitê Brasileiro da Anistia
(CBA), que foi decretada em agosto de
1979, mas só voltei para a minha vida pública em 1980. Depois que o CBA acabou,
entrei para a militância no Fórum Feminista
e no Grupo Tortura Nunca Mais pelo resgate da memória.
CDDHC: O que mais marcou durante o
Golpe de 64?
Vitória: A retirada da minha liberdade e
identidade. Eu tive os meus direitos políticos
cassados por 10 anos, não poderia entrar
em nenhuma universidade pública do Brasil. Então, no final de dezembro de 64 eu
casei com Gilberto e fomos para o interior
do Mato Grosso fazer parte de um grupo de
reconhecimento geográfico da região onde
iria se instalar a guerrilha. Meu pai diz que
aquele núcleo iria acabar porque não teria
mulher na guerrilha. Voltei para São Paulo e
decidi ter um filho, porque achava que não
teria outra chance. Inclusive costumo dizer
que meu filho Igor salvou a minha vida, porque não voltei para a guerrilha por causa
dele. E fiquei com minha mãe como apoio,
já que ela também não poderia participar
da guerrilha por ser considerada velha aos
50 anos. Viajei quatro vezes para a Europa
como “pombo correio”, porque o Partido
só mandava gente de confiança. E meu pai
foi o comandante da Guerrilha do Araguaia
ao lado do meu irmão e do meu marido. E
eles são dados como desaparecidos desde
1973. Têm pessoas que criticam a luta armada, mas naquela época não havia outra
saída. E todos deram o seu bem maior que
era a vida na luta pela liberdade. Eu sofri
muito, e sinto mais pelo meu irmão porque
éramos muito amigos. Já meu pai morreu
como ele quis, na luta, assim como o Gilberto. E senti muito pelo meu filho Igor que
foi criado sem o pai.
E na clandestinidade foi muito duro. Tive
que mudar o nome do Igor também, então coloquei o nome de Jorge, que significa
Igor em russo. E um dos dias mais terríveis
da minha vida foi quando um dos coleguinhas dele perguntou qual era o seu nome.
E ele disse: “Na escola me chamam de Jorge”. Como se dissesse que não fazia diferença chamá-lo de Jorge ou de Igor. E ele
46
achava que Igor e Vitória eram apelidos, já
que só os nossos familiares nos chamavam
assim. E isso era muito duro. Viver na clandestinidade era pior do que estar na cadeia.
Quem diz isso são as próprias pessoas que
estiveram presas, torturadas e depois foram obrigadas a entrar na clandestinidade.
É claro que não há como definir a prisão
e a tortura. Mas quando estavam nos DOICODIs da vida com seus companheiros, elas
mantinham a sua identidade. Já na clandestinidade você vive uma outra identidade,
tanto jurídica como emocional. Eu até me
esquecia que me chamava Vitória, porque
eu não podia errar o nome Teresa.
CCDHC: Como avalia a postura do
Estado Brasileiro após o Golpe Militar
nesses 50 anos?
Vitória: Uma postura lamentável. Todos os
governos civis que sucederam a ditadura
militar têm uma dívida com o povo brasileiro e, em especial, com os familiares dos
mortos e desaparecidos políticos. Nada foi
feito. Apenas agora, passados quase 50
anos do golpe, que foram instituir as Comissões da Verdade. Enquanto qualquer
governo da América Latina, após o término
das ditaduras, logo iniciaram o funcionamento das Comissões da Verdade. E se hoje
temos Comissões da Verdade se deve à luta
dos familiares dos mortos e desaparecidos
políticos e dos Grupos Tortura Nunca Mais
do Brasil. Os familiares do Araguaia entraram com uma ação em 1982 para a identificação e localização dos restos mortais.
Estamos em 2014 e essa ação ainda não foi
executada, apesar de ter sido julgada em
2007. Por conta da morosidade da Justiça
brasileira, nós entramos com uma ação na
Corte Interamericana de Direitos Humanos
da OEA. A Corte deu a sentença final em
2010, mas o governo do então presidente Luiz Inác