Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 43

3. “Não vamos esquecer!” – A tortura ontem e hoje Há cinquenta anos, no dia 1º de abril de 1964, consolidou-se no Brasil o golpe de Estado empresarial-militar que rompeu com a ordem democrática, derrubou o então presidente João Goulart e levou o país a vivenciar vinte e um anos de terror. Estima-se que o regime ditatorial tenha matado ao menos 357 militantes políticos, prendido em torno de 50.000 pessoas somente nos primeiros meses do regime, processado no âmbito da Justiça Militar outras 7.367, banido 130 cidadãos do país, forçado outros 10.000 ao exílio, punido 6.592 militares, expulsado 245 estudantes da universidade e cassado o mandato e os direitos políticos de 4.862 brasileiros1. Nota-se que esses números não incluem uma série de casos que, até hoje, não foram reconhecidos pelo Estado brasileiro, seja por não haver vontade política para tanto ou por não se ter acesso aos documentos do período que ajudariam a esclarecer as violações perpetradas à época.  1. Brasil. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007, pp.30-31. 2. PADRÓS, Enrique Serra. “Repressão e violência: segurança nacional e terror de Estado nas ditaduras latinoamericanas” In: Ditadura e Democracia na América Latina, Rio de Janeiro: FGV Editora, 2008. 42 A título de exemplo, em recente pesquisa, realizada no ano de 2013, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos identificou 1.196 casos de trabalhadores rurais assassinados ou desaparecidos por razões ideológicas e por disputa fundiária no campo, entre setembro de 1961 e outubro de 1988 (período indicado pela Lei nº 9.140/1995, a primeira a reconhecer que pessoas foram assassinadas pela ditadura militar). Destes, apenas 29 já foram reconhecidos pelo Estado ao terem seus nomes incluídos no relatório final da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Da mesma forma, tais números não incluem as prisões, desa- parecimentos forçados e execuções perpetradas contra os povos indígenas, alvos de um projeto de desenvolvimento absolutamente excludente. Em prol da construção de estradas e de megaprojetos de infraestrutura, tribos e comunidades indígenas, quando não eram dizimadas, acabavam expulsas de suas terras ancestrais. Apesar de se acreditar que o número de indígenas mortos possa chegar a milhares (alguns pesquisadores falam em mais de 2 mil), a Secretaria Nacional de Direitos Humanos conseguiu identificar ao menos 300 casos de indígenas mortos e desaparecidos pela ditadura. Contudo, os mesmos ainda não foram reconhecidos oficialmente pelo Estado brasileiro. Inserida em um contexto histórico mais amplo, marcado pela Guerra Fria, pela expansão do imperialismo estadunidense e pela contenção dos movimentos sociais populares ao redor do mundo, a ditadura brasileira teve como base ideológica a “Doutrina da Segurança Nacional” (DSN). Elaborada pelos militares do Pentágono como um marco de diretrizes gerais para as ditaduras da região, tal doutrina sustentava que o cidadão só se realiza plenamente enquanto membro de uma comunidade nacional coesa. Rejeitava, portanto, a ideia da divisão da sociedade em classes. O objetivo principal era pôr fim a tudo aquilo que fosse tido como nocivo à “unidade nacional”. E o inimigo mais perigoso para a tradição política local era uma suposta ameaça comunista que, segundo os militares, pairava sobre a América Latina2.