Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 33

2.5. Milícias e o Estado leiloado “Além dos 48 reais mensais que tem de pagar para ter gás em seu barraco, I.S, 50 anos, paga 5 reais para poder resgatar a correspondência que chega endereçada a ela ou ao marido. O controle do fornecimento de gás, do correio, do sinal de TV a cabo, do transporte feito por vans e até mesmo sobre qual candidato ela deve votar é feito há dez anos por um mesmo grupo de milicianos” Matéria publicada no site da Carta Capital, em 30 de agosto de 2014.1 Seis anos após a divulgação do relatório final da CPI das Milícias, realizada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, nenhuma política pública foi criada para enfrentar efetivamente o crescimento das quadrilhas. Além de indiciar 226 pessoas e pôr na cadeia os principais chefes dos bandos – entre eles deputados e vereadores -, a comissão propôs 58 iniciativas de caráter econômico e político para acabar com o poder dos milicianos, mas nada foi feito. Não é à toa que o crime organizado expandiu seus negócios e manteve sua influência eleitoral, como mostrou um relatório divulgado pela Secretaria de Segurança Pública encaminhado ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio (TRE) em agosto deste ano. Em pelo menos 41 comunidades, somente candidatos autorizados por milicianos ou traficantes podem fazer campanha. 1. Disponível em 32 No dia 12 de agosto de 2014, o TRE do Rio encontrou cestas básicas com uma relação de beneficiários e propaganda de candidatos do PMDB e do PSDB na associação de moradores das comunidades Águia de Ouro e Guarda, em Del Castilho, Zona Norte. De acordo com as informações divulgadas, a operação averiguou denúncias de formação de curral eleitoral por milícias. Dois meses atrás uma deputada estadual candidata à reeleição denunciou ter recebido ameaças de um homem armado quando colocava placas na comunidade Águia de Ouro. Ela chegou a afirmar que milícias cobrariam 100 mil reais de pedágio aos interessados em fazer campanha no local. É preciso entender que milícia é máfia. Ao contrário do tráfico, ela tem projeto de poder político, controla de forma violenta currais eleitorais e ajuda a eleger parlamentares para ampliar sua influência. Os paramilitares em sua maioria são agentes do Estado que adotam o discurso da ordem e usam seu domínio territorial e econômico para barganhar politicamente e atuar dentro das estruturas de poder. Milícia não é o Estado paralelo, é o Estado leiloado. Neste sentido, não é só uma ameaça à Segurança Pública, mas à própria democracia. Por isso, não basta prender. É fundamental cortar os braços político e econômico das quadrilhas, que exploram o transporte alternativo, a agiotagem, a venda ilegal de gás, a instalação irregular de TV a cabo, a cobrança de taxas de segurança. Denunciado pela CDDHC já em 2012 e com grande exposição nos jornais deste ano, ficou comprovado que milicianos passaram a expulsar famílias beneficiadas pelo programa Minha Casa, Minha Vida para alugar os imóveis. Neste ano, a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas (Draco) descobriu que alguns bandos se aliaram ao tráfico de drogas. Esse comportamento nunca ocorrera – os milicianos reprimiam violentamente o consumo de entorpecentes nas áreas que controlam. Em Rio das Pedras, na Zona Oes-