Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 21
é preciso afastar a “militarização ideológica da segurança pública”2, amplamente
tolerada e apoiada até mesmo por muitos
dos que hoje falam em desmilitarização. A
necessária desmilitarização pressupõe uma
nova concepção das ideias de segurança
e atuação policial que, afastando o dominante paradigma bélico, resgate a ideia do
policial como agente da paz, cujas tarefas
primordiais sejam a de proteger e prestar
serviços aos cidadãos. A prevalência dessa
nova concepção não depende apenas de
transformações internas nas polícias e na
formação dos policiais. Há de ser, antes de
tudo, adotada pela própria sociedade e exigida dos governantes.
2 A expressão é utilizada pelo
Coronel PM (reformado) e
Professor Jorge da Silva em
artigo que, publicado em
1996, mantém sua atualidade:
“Militarização da segurança
pública e a reforma da polícia”.
In BUSTAMANTE, R. et al
(coord.). Ensaios jurídicos:
o direito em revista. Rio de
Janeiro: IBAJ, 1996, pp. 497/519.
3. Disponível em http://www.
forumseguranca.org.br/storage/
download/8o_anuario_brasileiro_
de_seguranca_publica.pdf
4. Disponível em http://oglobo.
globo.com/brasil/estudomostra-que-custo-da-violenciano-brasil-ja-chega-54-do-pib14517004#ixzz3IhIFvrgr
5. Essa nova atribuição é uma
aberração jurídica na medida
em que a Constituição Federal,
em seu artigo 144, enumera
cada um dos órgãos que podem
exercer atividades inerentes à
segurança pública (incisos I a
V), e não inclui neste meio as
Guardas Municipais. Estas, por
sua vez, só são mencionadas no
parágrafo 8º do mesmo artigo,
que autoriza os Municípios a
constituírem guardas municipais,
mas delimita bem as atribuições
que elas podem ter: a proteção
de bens, serviços e instalações
municipais e outras atribuições
inerentes ao poder de polícia
administrativa.
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É necessário superar o estigma que se
reproduz nos debates sobre a desmilitarização no Brasil. Concentrando-se na
ação de policiais, especialmente policiais
militares, deixa-se intocada a atuação
incentivadora do Ministério Público e do
Poder Judiciário, de governantes e legisladores, da mídia, da sociedade como um
todo. Concentrando-se em propostas de
mera reestruturação das polícias, silenciando quanto à proibição e sua política
de “guerra às drogas”, deixa-se intocado
o motor principal da militarização das atividades policiais.
Assim, de acordo com os dados da 8ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança
Pública3, entre 2008 e final de 2012, os
policiais brasileiros mataram, em serviço e
fora, 11.197 pessoas, uma média de seis
por dia. A pesquisa revela ainda que o número de policiais mortos chegou a 490
no ano passado, chegando ao marco de
1.170 policiais mortos desde 2009, uma
média de 1,34 por dia, sendo que 75,3%
desse total foram mortos fora de serviço.
O estado onde mais policiais foram mortos, assim como em 2012, foi o Rio de
Janeiro (104).
O documento ainda aponta que as custas para o Brasil é equivalente a 5,4% do
Produto Interno Produto (PIB). No ano
de 2013, o montante atingiu R$ 258 bilhões4. A maior parte deste valor, R$ 114
bilhões, é resultado justamente da perda
de capital humano, além disso, entram
na conta dos custos da violência R$ 39
milhões de gastos com contratação de
serviços de segurança privada, R$ 36 bilhões com seguros contra roubos e furtos e R$ 3 bilhões com o Sistema Público
de Saúde. A soma destas despesas, que
chegou a R$ 192 bilhões em 2013, ou
3,97% do PIB, é classificada no estudo
como “custo social da violência”. Completam os custos da violência no país os
R$ 4,9 bilhões para manter as prisões e
unidades de cumprimento de medidas
socioeducativas e os investimentos governamentais de R$ 61,1 bilhões em segurança pública.
Os dados e os gastos com a Segurança
Pública que estamos traçando não correspondem a um Estado desmilitarizado,
o qual devemos almejar. As propostas
que tramitam no Congresso Nacional,
detentores da responsabilidade de legislar sobre esse assunto, apontam para o
aprofundamento desse quadro exposto.
Nesse sentido, a aprovação da lei complementar (PLC nº 39/20145) que cria o Estatuto Geral das Guardas Municipais que
amplia os poderes das guardas civis, estendendo a elas o poder de polícia e também
o porte de armas trata-se de um claro sinal
do avanço do Estado policial. O Ministério
Público Federal e os comandantes das Polícias Militares do país contestam a constitucionalidade desta lei.
Outro debate que pautou as candidaturas
à presidência nesta última eleição referese ao equívoco da redução da maioridade
penal. Na última década, o número de
presos no Brasil dobrou. Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça,