Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 12

os manifestantes que cubram os rostos o façam necessariamente porque pretendem cometer crimes; na verdade, muitas vezes, o uso da máscara impõe-se como proteção contra o efeito das armas menos letais (armamento antidistúrbios), tão frequentemente utilizadas de maneira arbitrária e abusiva pela polícia. A restrição ao uso das máscaras é, portanto, medida desproporcional que importa em séria restrição ao direito à reunião, através de uma regulação que impõe uma limitação para além do que se coloca como legal pelos parâmetros nacionais e internacionais. Ademais, o uso de máscaras não impede, de maneira alguma, a identificação do ma nifestante, já que a autoridade policial pode cobrar-lhe a apresentação do registro civil, além de a Constituição garantir que o civilmente identificado não precisará ser submetido à identificação criminal. “A criminalização da liberdade de expressão durante os protestos se apresenta pela tratativa penal que os manifestantes vêm recebendo frente aos seus pleitos. Ao invés do diálogo, da facilitação e segurança das manifestações e do respeito às garantias fundamentais da liberdade de expressão, liberdade de reunião e associação pacíficas, o Estado vem optando constantemente pela via repressiva e criminalizante. Grande parte dos detidos durante os protestos foi enquadrada nas delegacias em artigos do Código Penal e de outras leis penais, muitas vezes artigos e leis que são flagrantemente inadequadas para lidar com os protestos sociais. Os principais tipos penais que foram aplicados pela polícia em todo o país contra os manifestantes foram a formação de quadrilha (associação criminosa), dano ambiental, dano ao patrimônio público, desacato, incêndio, ato obsceno, posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, além de casos em que foi aplicada a Lei de Segurança Nacional. ”2 Ainda no tocante a legalidade dos procedimentos adotados pelo sistema de justiça do Estado do Rio de Janeiro, o depoimento, portanto, daqueles que presenciaram a suposta prática do delito é essencial para a caracterização do flagrante. Levantamento feito junto às organizações que acompanharam as inúmeras detenções ao longo das manifestações apurou que em 76% dos casos a única testemunha do caso era policial militar, policial civil ou guardas municipais. Além disso, um dos tipos de flagrante reconhecidos pela legislação brasileira é o flagrante presumido ou ficto, que se caracteriza pela situação em que o agente é surpreendido com objetos ou documentos que o liguem à prática de uma infração penal, sem que tenha sido perseguido. Um dos casos mais emblemáticos nesse sentido é o do morador de rua, Rafael Braga Vieira, que se encontra preso desde o dia 20 de junho de 2013. No referido dia, marcada por uma grande manifestação ocorrida na Av. Presidente Vargas em direção à Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro a Polícia Militar levou Rafael Braga Vieira para a sede policial, alegando que este portava artigos explosivos. Deve-se ressaltar que os policiais alegam que este carregava uma mochila, fato este contestado pelo acusado. Rafael, que é morador de rua, possuía materiais para higiene do local onde pretendia dormir, sendo autuado em flagrante delito por conta de uma garrafa de água sanitária e outra de álcool, além de uma vassoura. Rafael foi encaminhado ao presídio de Japeri. Foi realizada sua denúncia em 25 de junho de 2013, tendo como as únicas testemunhas arroladas pela acusação policiais. Faz-se premente ressaltar que no Brasil, apesar da ampla prova de ilegalidade em diversas detenções em manifestações e da notoriedade de abusos cometidos pelos mesmos, existe a presunção de legitimidade de atos praticados por policiais. Sua prisão foi convertida em prisão preventiva para “manutenção da ordem pública”, colocando sobre ele condutas genéricas sem nenhuma forma de prova de que de fato este estaria usando tais líquidos para coisa diversa que a higienização de seu lugar de dormida. Todo o inquérito se baseia na existência de duas garrafas plásticas sob a posse de Rafael, cujo intuito de utilização é suposto pelos responsáveis pelas investigações, sem nenhum outro indício, sendo inclusive colocado no laudo técnico que ambas possuíam aptidão mínima para funcionar como material incendiário. No dia 23 de setembro foi realizado um pedido de revogação de prisão preventiva de Rafael pela Defensoria Pública, julgado improcedente pelo Juiz da 32ª Vara Criminal no dia 27 do 2. Relatório apresentado durante o 150ª período ordinário de sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Washington, DC, 28 de março de 2014) pelas entidades: Artigo 19 (Brasil), Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Porto Alegre (Brasil), Conectas Direitos Humanos (Brasil), Articulação Nacional de Comitês Populares (Brasil), Instituto de Defensores de Direitos Humanos (Brasil), United Rede Internacional de Direitos Humanos (Estados Unidos da América), Quilombo Xis - Ação Comunitária Cultural (Brasil), Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil) e Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (Brasil) 11