Relatório anual da Comissão de Direitos Humanos da Alerj - 2014 | Page 11
1. Vale lembrar que
ao longo de 2013 as práticas de
violência contra manifestantes
e repressão da atuação de
jornalistas e comunicadores
sociais, por exemplo,
evidentemente não se adéquam
aos parâmetros internacionais
para a matéria. Como exemplo
de práticas estatais contrárias
ao corpus iuris internacionais,
tivemos a criação da Comissão
Especial de Investigação
de Atos de Vandalismo em
Manifestações Públicas (CEIV),
pelo Estado do Rio de Janeiro. A
Comissão, criada com poderes
investigatórios como o de impor
a quebra de sigilo telefônico e
com primazia de investigação
sobre outros órgãos, chegou a
ser revogada, após denúncias
da sociedade civil acerca da
sua inconstitucionalidade.
Entretanto, o Estado continua
criando novas figuras
institucionais controversas, como
os recentes tribunais-relâmpagos
em São Paulo, criados para
garantir a prisão provisória de
manifestantes supostamente
envolvidos em delitos durantes
os protestos, mas que, porém,
ao valorizar a celeridade em
detrimento de uma investigação
séria, podem vir a representar
uma grave fonte de violações e
abusos.
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Vale destacar que o depoimento de uma
testemunha que, segundo o inquérito policial, se apresentou por vontade própria à
Delegacia de Repressão a Crimes contra Informática fundamentou a denúncia contra
os 23 ativistas acusados de associação para
a prática de vários crimes em protestos no
Estado. Se algum dos ativistas, após investigações transparentes, for julgado culpado
por algum delito, ele deve ser responsabilizado. Mas todo o processo precisa ocorrer
dentro dos limites legais, respeitando todas
as garantias constitucionais. Mas vemos
uma atuação típica de uma polícia política,
cujo objetivo é minar a legitimidade de todos os movimentos sociais, não apenas daqueles acusados de praticar atos violentos.
Manifestar-se é um exercício de cidadania.
No episódio mencionado, a lista de violações1 começa com as investigações da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática
(DRCI). Os delitos que cada um dos 23 indiciados teria praticado não foram individualizados e não foram apresentadas provas
concretas sobre eles.
Pressupostos essenciais para proteger os
cidadãos dos abusos cometidos pelo Estado, a presunção da inocência e direito de
defesa foram violados. Ao contrário da
imprensa, os advogados do grupo não tiveram acesso integral ao inquérito. Nem o
desembargador da 7ª Câmara Criminal, Siro
Darlan, responsável por revogar as prisões,
obteve o documento dentro do prazo legal,
considerando que os 23 ativistas acusados
de participarem de protestos violentos no
último ano “não representam perigo a ordem pública”.
Os problemas persistiram após o inquérito
ser entregue ao Ministério Público. Como
noticiou o jornalista Lucas Vettorazzo, da
Folha de São Paulo, o promotor Luís Otávio
Figueira Lopes, da 26ª Promotoria de Investigação Criminal, levou apenas duas horas
para analisar o documento de cerca de duas
mil páginas, antes de enviá-lo ao Tribunal
de Justiça. Se ele realmente se deu o trabalho de ler o material, o promotor consumiu
impressionantes 16 páginas por minuto.
O cenário não é novo. Reivindicações legítimas e urgentes, como o fim do aumento
da passagem de ônibus, a abertura da caixa
-preta dos transportes, a reforma política e
a defesa da educação pública, por exemplo,
foram tratadas como casos de polícia desde
o princípio. Em vez do diálogo, o poder público lançou mão da força.
Nesse sentido, é importante mencionar que
a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
também não contribuiu efetivamente com
as demandas das ruas, pelo contrário, a Lei
6.528/13 (Lei das Máscaras), aprovada pela
maioria dos deputados, em 10 de setembro, acelerou o processo de criminalização
das manifestações populares. A aprovação
da lei seguiu a tendência inaugurada pela
decisão da 27ª Vara Criminal da Comarca
do Rio de Janeiro, que permitiu que manifestantes mascarados pudessem ser identificados criminalmente, mesmo inexistindo
fundada suspeita de prática de infração
penal. Isto significa que os policiais passaram a ter a autorização de conduzir coercitivamente para delegacia, com a justificativa de consulta de antecedentes criminais,
identificação datiloscópica e fotográfica, os
manifestantes que tenham o rosto coberto
por máscara, lenço ou afins, mesmo com
identificação civil.
Apesar de a lei vir com a justificativa de regulação do direito à manifestação, previsto
no artigo 23 da Constituição Estadual, tal
normativa constitui-se como um flagrante
retrocesso no que diz respeito a valores
democráticos. Isto porque, primeiramente, a detenção para averiguação, que é o
que vem tomando lugar com a aplicação
da Lei 6.528, criminaliza de forma ampla
o exercício do direito à reunião e à liberdade de expressão, ao presumir que todos