RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Resumo Executivo | Page 29

foi provocada e seu corpo descartado/escondido e os demais agentes públicos responsáveis por investigar o desaparecimento e responsabilizar os culpados não agiram com a devida diligência e são, portanto, coniventes com o crime. Como no Brasil, o desaparecimento forçado ainda não é considerado crime, tor- na-se praticamente impossível a punição dos culpados, pois o fato é considera- do “atípico” e na maior parte das vezes não é sequer aberto o Inquérito investi- gativo. Hoje, há no Rio de Janeiro, uma Delegacia de Descoberta de Paradeiros, 11 criada em 2013, para a investigação dos casos de desaparecimento. No entanto, ela atua apenas na Capital, permanecendo nas demais cidades o problema da falta de registro e/ou investigação. Embora uma quantidade significativa de desaparecimentos possa ser caracte- rizada como uma ausência voluntária, no momento da comunicação pelo fami- liar à policia, essa informação não está disponível, pois ninguém sabe a razão do desaparecimento e a pessoa pode sim ter sido vítima de crime. Além disso, aderimos a visão do Comitê Internacional da Cruz Vermelha de que o desapare- cimento e as burocracias envolvidas na busca causam intenso sofrimentos aos familiares. Portanto, todo desaparecimento necessita ser averiguado. No caso do desaparecimento forçado, a necessidade de investigação é in- declinável, pois envolve desde o início a fundada suspeita de tratar-se de um crime cometido por agentes do Estado. Segundo a Constituição, ninguém pode ser preso sem ter sua detenção comunicada ao juiz responsável e a famí- lia. Portanto, alguém ser levado por policias e nunca mais ser visto representa uma possibilidade concreta de tratar-se de casos de desaparecimento forçado. Mapeamos 95 casos de desaparecimentos forçados. Destes, tivemos a oportunidade de analisar a descrição do acontecido em 87 situações. A dinâmica é sempre muito similar: a pessoa foi vista sendo abordada e/ou detida por polícias militares ou civis e em um caso por guardas municipais. Depois dessa abordagem, ela nunca mais foi localizada. A pesquisadora Letícia Ferreira (2011) realizou estudo etnográfico no antigo Se- tor de Descoberta de Paradeiros da antiga Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro Centro/Capital e chegou a conclusão de que a polícia ao ser informada do desaparecimento realiza a “construção de reputações”. Isso faz com que o olhar recaia sobre a vida de vítima, culpabilizando-a pelo próprio infortúnio e tor- nando a investigação irrelevante. 12 Sem dúvida, o racismo estrutural e institucional são partes determinantes do modo como a sociedade e as instituições reagem aos casos de desaparecimento. A discriminação institucional possui também um aspecto sistêmico porque as atividades das diferentes instituições sociais estão interligadas, suas ati- vidades guardam uma relação de interdependência. (…) Isso permite que os padrões de tratamento de grupos minoritários se reproduzam nas interações e nas determinações entre essas instituições, fazendo com que a discrimi- nação adquira um caráter sistêmico porque caracteriza a forma como dife- rentes instituições que compõem um sistema de interações sociais tratam membros de certos grupos. 11 O que é racismo estrutural. Silvio Almeida https://www.youtube.com/watch?v=PD4Ew5DIGrU 12 MOREIRA, Adilson José. O que É Discriminação? São Paulo: Casa do Direito/Justificando, 2017, pg. 134-6 29