RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Resumo Executivo | Page 19

do poder judiciário. Os mandados de busca e apreensão coletivos, a Súmula 70 e as prisões de moradores que protestassem contra a polícia por crime de associação ao tráfico constituem o tripé no qual se apoia, até hoje, o estado de exceção imposto às camadas mais pobres da sociedade. Praticamente toda a cúpula de segurança do governo Rosinha Matheus foi condenada sob a acusa- ção de quadrilha armada. Os dois mandatos de Sérgio Cabral se distinguem pelo avanço de dois projetos de ocupação armada que colocava sob o jugo da polícia os territórios em disputa pelo crime: as milícias e as Unidades de Polícia Pacificadora. Durante seu go- verno as milícias se tornaram a maior potência criminosa do estado, unificando sob as diversas facções da Zona Oeste os inúmeros mercados clandestinos controlados de maneira fragmentada pelas corporações policiais. As chacinas espetaculosas voltaram à cena, dessa vez mascaradas sob a forma de organi- zações locais que procuravam expulsar o tráfico de drogas de algumas regiões do estado. As execuções proliferavam sob a forma de limpeza dos traficantes e marginais; sob a forma de extorsão mediada pela venda de segurança; e sob a forma de vingança, entendida no contexto mais abrangente de organização con- tra o controle do Estado em face das atividades ilegais das corporações policiais. Com a CPI das Milícias, a romantização desses grupos paramilitares sofre um sério golpe e suas motivações criminosas são enfim desveladas. Como resul- tado, as milícias passam a agir de maneira mais discreta, reduzindo, em parte, sua curva de violência. Ao mesmo tempo, as primeiras unidades de pacificação refreiam a letalidade policial e, com isso, também os indicadores de violência em todo o estado. Entretanto, no âmago do fracasso das UPPs, estava a ausência de um plano de policiamento comunitário, o que significava que a pacificação acontecia à margem dos desejos e propostas dos moradores. Em pouco tempo os favelados notaram que um poder armado tinha sido substituído por outro. No governo de Luiz Fernando Pezão as milícias passam a controlar um territó- rio que, somado, equivale a um quarto da cidade do Rio de Janeiro. As UPPs passam a concentrar uma parte considerável dos casos de autos de resistência no estado e a polícia sozinha cria, em certas regiões do estado, condições de violência endêmica tal qual entendido pela Organização Mundial de Saúde. Os recordes de assassinatos decorrentes de intervenção policial ultrapassam as cifras já escandalosas do primeiro governo Cabral e, nos anos de 2017 e 2018, ultrapassaram a casa das mil mortes. Sob intervenção militar, a primeira da his- tória da Nova República, a violência retorna irascível e vitima, sob a tutela das autoridades públicas, a vereadora Marielle Franco, executada pelos matadores que, hoje, controlam cada centímetro do Rio de Janeiro. Palavras finais As conclusões deste relatório são breves: as execuções sumárias praticadas por agentes de Estado, no exercício de suas funções, ou delas se valendo para sua perpetração, constituem uma prática sistemática, seletiva e sistêmica no Rio de Janeiro. Sistemática porque se reproduz, sob as mesmas condições de forma ininterrupta ao longo de todo o período analisado nesta pesquisa. Seletiva por- que, ainda que seus efeitos se espalhem e atinjam de certa maneira todo o teci- do social, se reitera no tempo tendo como padrão consistente o pobre, o negro, o favelado. Finalmente, é sistêmica na medida em que implica toda uma rede de atores institucionais como garantidores de sua livre reprodução e perpetuação, abrangendo representantes do Executivo, Legislativo, Judiciário e do Ministério Público. No que tange à ação policial propriamente dita, as execuções sumárias, com períodos de raras exceções, se apresentam ou como modus operandi di- 19