RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Resumo Executivo | Page 17
missivo às suas relações com o mundo do crime. Ela resulta do loteamento do
estado em inúmeros mercados clandestinos, que mobilizam diferentes merca-
dorias políticas, controlados, em geral, por oficiais da Polícia Militar e delegados
da Polícia Civil. Os assassinatos, nesse caso, podem ocorrer em virtude da não
aceitação da extorsão; como queima de arquivo; eliminação de concorrentes; ou
como pressão para a venda de segurança.
Dos gabinetes às ruas
No governo de Leonel Brizola, as chacinas de limpeza constituíam o maior pro-
blema da época. A atuação dos grupos de extermínio na Baixada, por um lado, e
dos policiais nas favelas da capital e região metropolitana, de outro, era marcada
pela eliminação aberta dessas vidas desimportantes. Sua incipiente política de
segurança cidadã se voltou justamente para a proteção dessas populações e
se deu a partir do engajamento público da cúpula de Estado no enfrentamento
dessa situação. A dissolução da Secretaria de Segurança Pública, subordinada
às Forças Armadas, e seu desmembramento nas secretarias de Polícia Civil e
de Polícia Militar, subordinadas ao governador, foi seu primeiro ato de ruptura
com a concepção de segurança pública vigente até então. Para Leonel Brizola,
a relação entre a polícia e as favelas deveria passar por uma transformação
radical. Para tanto, em caráter mais emergencial, proibiu as incursões policiais
nessas áreas. Sua proposta mais ousada, entretanto, viria com o projeto de poli-
ciamento comunitário instituído em algumas favelas durante o seu governo, sob
o comando do general Cerqueira. Além disso, a criação do Conselho de Justiça,
Segurança Pública e Direitos Humanos, composto por inúmeros órgãos do po-
der público e da sociedade civil, tinha caráter deliberativo no que tange às políti-
cas de segurança, além de analisar e encaminhar casos concretos de violações.
E nesse contexto se insere a Comissão Especial criada para investigar a ação de
grupos de extermínio na Baixada Fluminense. Muitos matadores foram presos
ou tiveram que recuar de sua postura desafiadoramente explícita. Ao menos por
um tempo.
Moreira Franco, que se elegeu na esteira da desmoralização política de Brizola,
se vendendo como sua antítese, assim o fez, e tratou de aniquilar os investimen-
tos do seu predecessor na democratização das corporações. Em sua gestão, as
relações entre as corporações policiais e o mundo do crime se intensificaram.
Com isso, as chacinas derivadas da extorsão se avolumaram ao mesmo tempo
em que a limpeza voltava com força total nas favelas da cidade e nas ruas es-
curas da Baixada. Os assassinatos ligados ao sequestro de criminosos e de ci-
dadãos comuns constituíam uma parcela significativa das violações observadas
nesse período. A chacina de Acari, que ocorreu no seu último ano de mandato, é
um dos casos mais notórios do contexto produzido pelas políticas de segurança
pública de Moreira Franco.
O retorno de Brizola em 1991 sinalizava um repúdio à política de extermínio de
Moreira Franco e um voto de confiança no modelo de segurança cidadã ideali-
zados em 1983. Novamente, as atenções de Brizola se voltam para o controle
da atividade policial, mas, dessa vez, investindo na transparência de suas ativi-
dades. A criação do novo registro de ocorrência, mais detalhado e trabalhoso, é
um exemplo dessa estratégia. Brizola também investiu na reciclagem das cor-
porações, e criou, em convênio com a Universidade do Estado do Rio de Janei-
ro, a Diretoria Geral de Ensino e Pesquisa, vinculada à Secretaria de Justiça,
Segurança Pública e Garantias do Cidadão, sob a coordenação de professores
universitários. A reciclagem abrangia todos os agentes de segurança, mas, no
caso dos policiais, os cursos a serem ministrados versavam sobre cinco temas:
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