RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Resumo Executivo | Page 16

16 na”, entre outras. Além do periódico Última Hora, que serviu para levantar casos e informações envolvendo grupos de extermínio na ditadura. Desse conjunto de reportagens foram selecionadas 2.200 notícias. A abrangência da pesquisa percorre os anos de 1983 a 2018. O marco inicial, que se dá ainda sob o regime autoritário, foi escolhido por duas razões. A primeira delas diz respeito ao sin- gular processo eleitoral de 1982, as primeiras eleições diretas para governador desde a ditadura. Leonel Brizola foi, portanto, eleito democraticamente. Contu- do, o mais importante, é que as políticas experimentais de Brizola no campo dos direitos humanos e no vislumbre de uma polícia moderna e cidadã constituem um marco sobre o qual todos os governos seguintes, por adesão ou explícita oposição, se orientaram. Um esboço de tipologias No mundo da burocracia policial a palavra chacina designa a morte de três pes- soas ou mais na mesma hora e local. Em sua acepção original, o verbo chacinar significava o ato de esquartejar e salgar suínos. A palavra “chacim” é um antigo sinônimo de porco. De certa forma, essas duas descrições sintetizam também o significado dado pelo poder público às chacinas e execuções estudadas na presente pesquisa: uma contagem de corpos em um abatedouro qualquer de vítimas não humanas. As chacinas e execuções sumárias presentes neste relatório são praticadas por agentes de Estado no exercício de suas funções; são praticadas por agentes de Estado fora de serviço, mas valendo-se dele; ou praticadas por ex-agentes de Estado e terceiros, sob a garantia do poder público. Em geral, elas podem ser divididas em três grupos, que remetem a distintas motivações: limpeza, vingança ou extorsão. As chacinas e execuções de limpeza constituem a forma mais tradicional e por isso também a mais arraigada entre matadores dentro e fora de serviço. As cha- cinas de limpeza têm uma origem contratual e outra derivativa da própria função pública. No primeiro caso, corresponde a demandas privadas de assassinato de pequenos criminosos nos arredores de centros comerciais à pontos turísti- cos; pela eliminação de adversários e desafetos; e por noções individuais de justiçamento. Já quando a limpeza se realiza por derivação da função pública o “requerente” geralmente é o próprio Estado e o espectro de execuções passa a incluir também princípios eugênicos que varrem das ruas usuários de drogas, prostitutas, pessoas em situação de rua e mesmo trabalhadores cujas vidas são tomadas como baixas de guerra. Quando as execuções e chacinas são perpetradas pela vingança, elas têm ori- gem em duas situações distintas. A primeira delas se dá pela via literal do ter- mo, isto é, são matanças organizadas sob a forma de represália à morte de um policial. Nesse caso elas geralmente se travestem de operações oficiais para a prisão dos assassinos, mas se dirigem, quase sempre, às suas comunidades de origem, resultando na morte indiscriminada de inocentes. Mas as chacinas de vingança também adquirem contornos mais sutis quando estão atreladas à reações contra o próprio poder público. Nesses casos, as chacinas e execuções são praticadas como forma de retaliação, intimidação e desestabilização de go- vernos, secretarias e comandos que procuram exercer algum tipo de controle sobre a atividade policial. Finalmente, as chacinas e execuções derivadas da extorsão decorrem da discri- cionariedade concedida à ação policial num dado governo, mais ou menos per-