RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA Relatório Final Desaparecimento Forçado na Democ | Page 6

01. Introdução “Da língua cortada,/digo tudo,/amasso o silêncio/e no farfalhar do meio som/solto o grito do grito do grito/e encontro a fala anterior,/aquela que emudecida,/conservou a voz e os sentidos/nos labirintos da lembrança”. (Conceição Evaristo) 1 Desaparecer, sumir, jamais ser visto novamente é um destino cruel para a vítima e para seus familiares. Como manter viva a memória de quem se foi? Como lidar com a falta de informações sobre o paradeiro de um filho e sobre as reais circunstâncias de seu desaparecimento? A dor de não saber carrega consigo sempre um fio de esperança. Desastradamente, perguntei a Ilzidete Santos, conte-nos sobre a morte do Fábio. Ela prontamente respondeu: “Não, Fábio morreu não. Eu ainda não tive resposta. (...) Pra mim ele ainda tá por aí. O Estado ainda não me deu uma decisão.” 2 Fábio jovem, negro, morador de Queimados na Baixada Fluminense foi visto pela última vez em julho de 2003 entrando numa blazer preta, ao que indicam os indícios, sob o comando de um policial militar. Apesar de não existir dados oficiais sobre o desaparecimento forçado no Rio de Janeiro, as circunstâncias de seu desaparecimento, o perfil traçado para os desaparecidos naquela região, a persistência do racismo estrutural e institucional, tudo levam a crer que Fábio está morto e seu corpo nunca será encontrado. Sua mãe, no entanto, não se conforma com indícios, estatísticas e estimativas. Ela quer respostas. Ela tem direito a respostas. Infelizmente, sua situação é similar a de muitas outras mães e familiares que nunca terão sequer o direito de beijar a testa de seu filho e prestar-lhe as homenagens fúnebres de despedida. À época da ditadura civil-militar os desaparecimentos de pessoas contrárias ao regime eram nomeados como desaparecimentos políticos .3 Oficialmente, a Comissão Nacional da Verdade 1 Conceição Evaristo, no livro “Poemas da recordação e outros movimentos”. Belo Horizonte: Nandyala, 2008. Depoimento de Ilzidete Santos da Silva em 09 de outubro de 2018 no Laboratório de Estudos do Tempo Presente – IFCS/UFRJ, coordenado pela Profa. Maria Paula Aráujo, tendo como entrevistadoras Maria Paula, Ivanilda Figueiredo, Simone Pinto, Barbara Fuentes, Thalita Maciel e com transcrição realizada por Simone Pinto 3 Ver BAUER, Caroline. Um estudo comparativo das práticas de desaparecimento nas ditaduras civil-militares argentina e brasileira e a elaboração de políticas de memória em ambos os países - Tomo I Disponível em: https://www.academia.edu/8589956/UM_ESTUDO_COMPARATIVO_DAS_PR%C3%81TICAS_DE_DESAPARECIMENTO_ NAS_DITADURAS_CIVIL- MILITARES_ARGENTINA_E_BRASILEIRA_E_A_ELABORA%C3%87%C3%83O_DE_POL%C3%8DTICAS_DE_MEM%C3%93RI A_EM_AMBOS_OS_PA%C3%8DSES Acesso em: novembro de 2018. 2 6