RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA AS EXECUÇÕES SUMÁRIAS NO RJ | Page 73

O pacote contra o crime anunciado por Garotinho e tão bem executado nos seus primeiros quinze dias de governo emergia em um contexto mais complexo que o mero populismo penal. O Rio de Janeiro vivia sob o signo da violência urbana e sofria reiterados atentados atribuídos ao criminoso Fernandinho Beira-Mar, que desafiava as autoridades públicas ordenando os ataques de dentro do presídio. Por sua vez, as respostas da polícia, “contra-atacando” os chefes do tráfico de drogas em incursões cada vez mais violentas nas favelas, ensejavam manifestações furiosas por parte dos moradores. Quase sempre com resultados letais, as incursões policiais acabavam levando a protestos que, não raro, redundavam no fechamento de vias e em veículos incendiados. A cúpula de segurança, ao mesmo tempo em que impunha a violência, desqualificava os protestos como sendo orquestrados pelos traficantes locais. É nesse contexto que o então Secretário de Segurança solicita aos delegados a prisão de todos aqueles envolvidos em atos de depredação nos protestos, bem como o seu enquadramento no crime de associação ao tráfico. A medida, notoriamente ilegal, passou a ser aplicada pelos policiais, que levavam os moradores presos; pelos delegados, que os autuavam; mas, surpreendentemente, também pela magistratura, que passou a condenar de forma indiscriminada pessoas que, em sua maioria, estavam apenas transtornadas com a violência letal da polícia. Sem canais de diálogo com o governo, que cinicamente tratava a polícia como insuspeita ao mesmo tempo em que menosprezava a dor e sofrimento dos moradores; sem respostas institucionais do Ministério Público, que se eximiu do controle externo da atividade policial durante toda a democracia e endossou o extermínio continuado de jovens pobres e negros; os favelados do Rio de Janeiro agora tinham que lidar com um Poder Judiciário que procurava rebaixar o direito em nome de uma obscura noção de ordem pública. A favela deveria sofrer em silêncio e suportar, junto às mortes, a criminalização, humilhação e discricionariedade policial. No Código Penal brasileiro o crime de associação ao tráfico é inafiançável. Essa não foi a primeira, muito menos a última vez, que o Judiciário retorceu a lei sob a justificativa da calamidade da violência urbana. Em 1994, quando da primeira Operação Rio no final do segundo mandato de Brizola, a conduta profissional e isonomia dos magistrados foi alvo de severas críticas. Durante a operação, o Tribunal de Justiça não só fechou os olhos para as ilegalidades cometidas pelo Exército, como ajudou