RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO DA VERDADE NA DEMOCRACIA AS EXECUÇÕES SUMÁRIAS NO RJ | Page 29

de algumas delegacias, batalhões e viaturas era bancada pelos barões locais do jogo do bicho. O lado perverso dessa relação, entretanto, pouco tinha a ver com a corrupção em si, mas com a violência que emergia em torno das disputas por pontos de jogo e com a eliminação de desafetos – tarefa em que policiais civis e militares participavam intensamente. Muitas das execuções e chacinas promovidas em todo o estado se relacionavam com essa dinâmica de disputa. Ao se verem despidos dessa tradicional fonte de renda, a alta cúpula e seus subordinados se entregaram à diversificação de suas atividades ilegais, procurando novos mercados onde pudessem atuar. O envolvimento de policiais com crimes como o roubo de veículos e de cargas, extorsão, sequestros, contrabando e queimas de arquivo sempre foi presente ao longo da história de ambas as corporações. Contudo, a associação entre a perda da propina paga pelos banqueiros do bicho, no governo Brizola, e a possibilidade de agir sem qualquer tipo de regulação, na administração de Moreira, deu margem ao crescimento vertiginoso do envolvimento da polícia com esses crimes. Consequentemente, execuções e chacinas aliadas a esse novo tipo de contexto se tornaram cada vez mais frequentes. Um dos exemplos mais evidentes desse novo cenário é a onda de sequestros que assolou o Rio de Janeiro entre o final da década de oitenta e o início dos noventa. Como uma parte expressiva desses sequestros eram de autoria de policiais, muitos, inclusive, lotados na Delegacia Anti-Sequestros [DAS], as queimas de arquivo, que se davam em virtude de diferentes contextos, eram inevitáveis. Nesse período, porém, um grande mercado verdadeiramente novo se abria, aos poucos, para esses policiais. Os lucros advindos da venda de cocaína, que a reboque aumentou substancialmente o volume de armas pesadas em circulação nos mercados clandestinos do tráfico, logo se apresentou como uma oportunidade e tanto para as polícias do Rio de Janeiro ampliarem seu espectro lucrativo. Ao final do governo Brizola esse quadro já podia ser sentido sem muito esforço. Porém, na segunda metade do mandato Moreira, em parte devido à guerra declarada pelo próprio governador contra os traficantes das favelas fluminenses, os efeitos dessa associação já se mostravam preocupantes. E se agravariam, como veremos adiante, até o final da década seguinte. As execuções e chacinas enfrentadas por Moreira até esse momento não se distanciavam, do ponto de vista das tipologias, daquelas formas que se enraizaram no cotidiano das classes populares no estado e que atingiram seu auge durante a ditadura.