Rede em Revista - Teste Edição Novembro 2018 | Page 22

Em seu texto “Mediterrâneo entre o Oriente e o Ocidente”, Gilles Lapouge postulou o diálogo como constitutivo das relações humanas, antes da linguagem. O autor está interessado em destacar diálogos em múltiplas direções que promoveram confrontos, reinterpretações e encontros, baseados na cultura mediterrânica, uma identidade de reunião, como também asseverou Amim Maalouf . Entre 22 e 26 de abril de 2018, sob os auspícios da Embaixada do Brasil em Cabo Verde, realizei a travessia por um oceano de violência, saque e descoberta, o Atlântico, em cujas ondas viajou também a cultura mediterrânica, para um diálogo de formação e surpresa, que, se começou em mim, voltou-se para mim como renovação, pela mesma via que Lapouge identificou como principal promotora do diálogo entre as civilizações, a História.

Cabo Verde se me apresentou por mão amiga, por olhos conhecidos, diálogo facilitado pela embaixada do meu país. Acolheu-me, entretanto, para além, muito além!, desse olhar amigo. Os primeiros olhos acolhedores foram os das crianças da aldeia SOS, com quem passei a manhã de 23 de abril, explorando o livro É tudo invenção de Ricardo Silvestrin e meu próprio livro Menina com brinco de folha . Na ocasião, além de contar histórias, conversamos, escrevemos (um novo volume do livro É tudo invenção) e sentamos à mesma mesa. Eu trouxe para o Brasil o resultado desse trabalho. À tarde, conheci outras crianças e não só cabo-verdianas, com quem conversei sobre a obra Abrindo Caminho de Ana Maria Machado. Esse livro nos permitiu redefinir uma geografia de aproximações, depois do meu desafio: quais os caminhos que haviam convergido para nosso encontro? O resultado ficou nas paredes da Biblioteca Nacional, onde a atividade se deu.

Entre 24 e 26 de abril, nas dependências do Centro Cultural Brasil-Cabo Verde ministrei o mini curso “Recursos didáticos para a promoção da consciência história: uma trama interdisciplinar” para professores cabo-verdianos de diferentes disciplinas. O objetivo do curso foi promover uma reflexão sobre o tempo, sobre a consciência histórica como tarefa da escola (e não só da disciplina histórica) e sobre o livro didático, a partir de minha própria experiência como autora e pesquisadora. Além das reflexões, fizemos alguns exercícios e debates para que tivéssemos oportunidade – eu, de conhecer melhor os agentes e a realidade que animava a minha proposta; eles, de testarem e realizarem algumas experiências ao meu lado. O diálogo foi rico e, no último dia, mesmo emocionante com a exploração da cultura material e com o engajamento do grupo. No último dia, algumas horas antes de deixar o país, tive a honra de, ao lado do Senhor Embaixador do Brasil, Dr. João Carlos de Araújo Leitão, entregar os diplomas a meus alunos/colegas de Cabo Verde, que seguiram o mini curso.

Em uma semana tão repleta, a embaixada me presenteou ainda com uma experiência completamente inesperada para mim. Tratou-se de uma visita à Cidade Velha, na tarde de 25 de abril . Lá, descobri a Igreja de Nossa Senhora do Rosário que me permitiu uma outra relação com Cabo Verde e a sua paisagem, esta entendida aqui como e com Milton Santos: “A paisagem é um conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza”. Compreendi a Igreja de Nossa Senhora do Rosário

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