RD Trabalho e Processo acesso gratuito Vol. 1 | Page 95

REVISTA DE DIREITO TRABALHO E PROCESSO Doutrina 95 Nº 1  -  Agosto 2018 nova razão do mundo pautada pela normatividade concorrencial do neoliberalismo e as reações do capitalismo contra a democracia nos legaram fortes tensões. O resultado do processo reformador brasileiro sob os auspícios do discurso da austeridade vem demonstrando a que veio, com a reconfiguração do mercado de trabalho nacional, com a mercadorização elevada à potência pela contratação realizada entre empresas de prestação de serviços de trabalho. Como visto, o con- tratante pode não mais contratar pessoas, pode contratar empresas para prestar serviços! O serviço apaga o trabalho, a reforma tenta apagar a pessoa: o direito desloca-se do trabalhador para o trabalho. E mais, do trabalho para a empresa. Ao centro da relação jurídica volta o trabalho como bem, como mercadoria. Para detrás das cortinas, ficam encobertas as pessoas. Como examinado neste artigo, na reforma trabalhista, a desconsideração da pessoa humana provoca fortes deslocamentos, tendo chegado ao ponto de tentar suprimir a própria arena laboral como o espaço de regulação das questões que envolvem o trabalho humano. Os graves problemas econômicos, sociais, políticos e jurídicos encobertos pelo mercado de prestação de serviços que pode se constituir com a reforma trabalhista e com a admissão da terceirização da atividade finalística das empresas não devem ser encobertos ou negligenciados. Já foi dito: o que está em causa “nos debates do presente acerca do futuro do trabalho e do emprego é o entendimento que enquanto sociedade fazemos do trabalho e do seu valor” 24 . O redesenho promovido na Lei 6.019, de 1974, é a expressão do desvalor que parte das elites brasileiras atribui ao trabalho, seu pouco apego à igualdade e às regras democráticas e constitucionais. Não obstante na atual quadra institucional, para expungir do ordenamento as inconstitucionalidades e as inconvencionalidades da reforma trabalhista não bastará o Direito. Os intérpretes estão fazendo seu papel, tecendo como Penélope o que foi desconstruído. Entretanto, os intérpretes da norma podem muito, mas não podem tudo. Neste sentido, concluo com as refle- xões de Pedro Hespanha et al.: “[...] O que o trabalho será no futuro dependerá das condições materiais e não materiais que se consideram aceitáveis para o comum dos trabalhadores, das formas de organização e de prestação do trabalho, da capa- cidade dos atores que intervêm na sua regulação e regulamentação e dos poderes de que dispõem, das opções que estruturam as políticas públicas de emprego, ou, HESPANHA, Pedro; SILVA, Manuel Carvalho da; CALDAS, José Castro; TELES, Nuno. Trabalho e políticas de emprego. Coimbra: Actual, 2017. p. 364. 24